quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

tempo tempo tempo tempo

Não deixa de ser paradoxal temermos tanto o passar dos anos, mas comemorarmos cada virada de 31 de dezembro para 1º de janeiro. Lembro-me de quando era criança e a dificuldade que tive para saber qual era o ano que estava começando. Na verdade, lembro-me de minha surpresa ao descobrir que existia algo como ‘anos’. Na minha pouca idade, não tinha atinado ainda para o porquê das festas de aniversário, as minhas preferidas, se repetirem e o intervalo de tempo entre elas. Eu havia presenciado poucas delas, para inferir uma regularidade, mas foi minha irmã mais velha que me ensinou esse disfarce numérico do tempo me explicando que, naquela noite, havia começado o ano de 1989. E lá se vão 20 anos.
De lá para cá, o tempo, essa testemunha minuciosa, cumpriu o seu papel sem nem me perguntar se podia, se eu estava de acordo. E assim, de menino me fiz moço e de moço vou fazendo-me homem. E eu que tire minhas conclusões. O tempo nada diz, só exemplifica. Este o seu método pedagógico, o único e, portanto, infalível.
Não vou reforçar o clichê de que as reflexões de fim de ano devem ser feitas todos os dias, nem muito menos o seu oposto, que diz que são inúteis. Acho que “reflexões de fim de ano” vêm automaticamente quando concluímos um ciclo da nossa vida. Impossível não fazermos um retrospecto quando concluímos a última série do colégio, quando nos formamos na faculdade, quando nos casamos, quando nascem nossos filhos e por aí vai. Realmente, todos os dias é impossível. Tem dias (a maior parte deles) em que o que mais queremos é cuidar da vida do que ficar fazendo retrospectos. Life is what happens while you´re doing other things. E é do conjunto desses dias que depois fazemos as nossas reflexões. Creio que a importância das reflexões é instilar a necessidade de melhorar aquilo que temos de pior e aperfeiçoar o que temos de melhor para os próximos dias que não queremos pensar sobre isso. E assim fazemos Darwin feliz, pois vamos evoluindo. Pouco importa se nos dias em que não queremos pensar sobre isso, mal nos lembramos integralmente das reflexões feitas, há sempre algo que nos leva a agir de outra maneira por que sabemos que, do contrário, iremos sofrer. Enfermidades psíquicas e suas nuances à parte, não somos adoradores do sofrimento.
Celebremos, então, a chegada de 2009! Celebremos o deus do tempo e sua força, mas não nos esqueçamos de interpretar seus sinais!
Paz!

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

capitu


Quando ela entrou correndo salão a dentro arrastando um pequeno bastão com um gesso à guisa de giz amarrado na ponta, nem precisava a trilha sonora adequada para eu me reapaixonar (muito embora Elephant gun do Beirut só toque na minha cabeça agora acompanhado da imagem dos olhos de cigana oblíquos e dissimulados de Capitu -ou da Letícia, quem vai saber). Na primeira vez que a vi, ela vestia-se num misto de bailarina e colombina. As primeiras palavras que vi sair de sua boca num rompante gritado foram: “É de madeira a porta que bate, o cão que late”. O ribombar da bateria que se seguiu foi mais um reflexo do impacto que senti do que propriamente da música. Hipnose. Ela, então, desfilou ombros, mãos e olhares, dançando diante de mim e eu era menos que um Bentinho de 14 anos e ela era mais que a lagarta listrada do Manuel Bandeira (até mais louca que Antônia). Era meu primeiro show do Manacá.

E ela entrou correndo salão adentro, sorrindo, meio dançando suas saias, brincando, para ser a Capitu do Bentinho, esta entidade cuja beleza deveria ser mais contemplada do que entendida, por que certos enigmas insolúveis hão de servir somente para isso. O Bentinho amargurado e dolorido, creio ser mais criação da minissérie do que da pena de Machado de Assis, pelo que lembro do livro que li há tanto tempo, ou quem sabe da ternura que despertou no diretor toda crueza que o personagem quis insinuar. Acho que Luiz Fernando Carvalho quis dialogar ternamente com o lado casmurro de Bentinho, como um pai ou um irmão, talvez mostrar uma essência que ele gostaria que o casmurro que jantou bem e foi ao teatro após a morte do filho, tivesse, ou então, além ainda, instigá-la. Funcionou comigo. Fui seduzido por aquele mundo ópera,rock,humor e tragédia e não só pela Letícia.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

circuito fechado

É de fiar a saliva que envolve este ar, tecendo elos e sentidos, pulsando e aquecendo. Singelo e pungente como o desabrochar. Como o amanhecer. Como os fios dos teus cabelos descendo pelo pescoço. Vermelhos. E o cheiro. O toque. O gosto. E o que eu não sei dizer em palavras. Mas que nasce no peito e sai pela boca. De fiar. A saliva que envolve este ar que estamos agora.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Aquele abraço

Ainda tenho muito a aprender sobre as pessoas. Sobre mim mesmo, vou aprendendo aos poucos e acho até que já sei razoavelmente, mas sobre as pessoas tenho alguma dificuldade. Acho que por egoísmo, egocentrismo, egotismo (ou tantos outros eguismos) pouco estive entre os homens, esta máxima definição do que é viver, salvo engano, oferecida por Hannah Arendt- sem muito tempo para maiores pesquisas no momento e atento ao fato de que o que importa é o sentido-. Para se ter uma experiência sublime de alteridade é preciso muita humildade, quebrar as estátuas de sal que sedimentamos em nosso átrios e ventrículos e deixar fluir o risco de nos libertarem que o risco de nos libertar molda no mundo. Amar é uma experiência transcendental que requer uma certa dosagem de ousadia e perícia, sem excesso para qualquer dos lados. Nessa alquimia é que, imagino, vamos construindo o nosso prestígio.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Rosebud

Souvenir. Lembranças. O título acima é uma ode a Charles Foster Kane, o cidadão Kane, o homem cuja lareira era maior que o meu apartamento. Ele tinha um castelo e era o homem mais poderoso do mundo. O Orson Welles se inspirou num magnata das comunicações para conceber o personagem. Ele morre na torre do seu castelo balbuciando “Rosebud”. Rosebud não era tão poético quanto um botão de rosa. Rosebud fora o brinquedo predileto do menino Kane. Não passava de um pequeno trenó de neve.
Acabei de ver “Piaf – um hino ao amor” e tentei imaginar se o hino “Je ne regrette rien” poderia ser a trilha sonora de Charles Foster Kane. De certo as lembranças eram importantes em ambos os casos. Quanto aos arrependimentos, já não sei. Se a vida de Edith Piaf foi um terço da metade do que foi exibido no filme, a contundência apaixonada de suas interpretações nada mais são do que puro reflexo disso. Já nem sei mais se consigo diferenciar Edith Piaf de suas músicas, se assim o foi. São como os gritos de seus ossos comprometidos pelo reumatismo ou o clamor de seu fígado combalido. Seu canto neste momento, para mim, se torna parte dela e ao mesmo tempo, se há tristezas agudas, há a beleza monumental de uma tela do Picasso (sugere-se a tela “Mulher chorando”, só para ilustrar).
Não se trata de pedir bis se um dia ela despencar do céu, mas da capacidade de nos enternecermos sozinhos com um pôr-do-sol numa praia vazia.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Mágica do absurdo

A idéia era falar dos pecados capitais livremente, mas resolvi falar sobre o nada, o motivo algum, a falta de racionalidade, de sentimentalidade, de qualquer coisa, mas que de vez em quando aparece e comete uma daquelas coisas que ninguém sabe o porquê. Essa falta de tudo provavelmente é mais corriqueira do que se imagina, mas quando se exibe na televisão como um reality show creepy, ele se torna óbvio e ululante e nos estarrece por que nos tira de qualquer parâmetro para no jogar num limbo de desexpectativas. Pode parecer clichê, moralista, banal, repetitivo mas não consegui não postar. Nada explica. Nada justifica.
À Eloá, de todo meu coração, que o céu seja um lugar colorido como um desenho de criança.

sábado, 4 de outubro de 2008

o orgulhoso

Todas as coisas não são tão imensas assim, como quer meu diminuto coração sufocado de sal. A vida é leve e a eternidade está escrita na palma da minha mão, mas as minhas intenções são cruéis e selvagens demais para se restringirem a tamanha amplitude. A ansiedade de um nó de gravata amarrado no pescoço, que faz a maioria dos homens andarem empertigados pelo centro da cidade, é-me tão profunda quanto não o é o desejo de ser aquilo que aparento, por que às vezes acho que ando por aí sem corpo, sem roupa e incógnito. Logo, não faz diferença um Armani, uma bata indiana ou um par de óculos escuros. Eu continuo vendo e continuo

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

o invejoso

A inveja corroeu-lhe a garganta que nunca lhe havia parecido tão longa. Sentiu-se uma girafa que comera um galho afiado. Vontade de dizer a todo mundo que era melhor que ele de alguma forma que ninguém havia percebido, que era especial. Vontade de mostrar a todos que ele também era engraçado, que sabia piadas inteligentes e tinha opiniões interessantes sobre tudo, de mulher e futebol a política e filosofia, que sabia se vestir, que entendia de arte, de rock, de samba e ainda tocava, cantava, atuava e era artilheiro do time da faculdade. Tudo ao mesmo tempo só para se sentir um pouco mais amado que o outro que, agora, mostrava que era melhor que ele em tudo isso. E era. Em algum nível sabia que deveria se acostumar a isso, mas no mais imediato não se conformava. Ninguém deveria ter o direito de ser tudo aquilo que ele queria ser um dia.

sábado, 30 de agosto de 2008

Não facilite com a palavra amor


Ah, o amor. Coisa mais formidável não há. Fugidio, arredio, arisco. Tem vezes que vai e vem, tem vezes que vem e fica, tem vezes que vai e nunca mais. Se conseguirmos capturá-lo, é recomendável segurá-lo firme. Se quisermos mantê-lo, é de bom grado termos fôlego para ir do agudo ao grave e do grave ao agudo sem perder o tom. É um pouco como malabares com bolas coloridas, tanto pela acrobacia, quanto pela beleza, como também pelo frio na barriga que dá.
Não é dado a convenções, regras. Da maneira mais admirável manda tudo às favas. O único totalitarismo que reconhece é o de querer bem, pois quanto mais se tenta submetê-lo, menos ele está presente. Pode-se dizer que nasce como um acidente, mas cresce como uma sequóia.
Dos únicos que detêm o truque de manipular o tempo. Faz momentos eternos durarem um milésimo de segundo e um milésimo de segundo durarem uma eternidade. Ficamos desapontados quando vimos que já passou, mas quando está passando parece que é para sempre.
Amor em inglês é feminino. Os ingleses sabem das coisas, mas o amor é temperamental como uma dama francesa. Uma rainha. Uma fada.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

... o acaso é amigo do meu coração, quando fala comigo, quando eu sei ouvir...

Dentro do meu peito mora um anjo caído. Se sou imperfeito, se tropeço, se me machuco, é por causa dele. Ele me mostra limites quando acho que posso voar. Se insisto, ele corta suas próprias asas com as unhas, como uma águia velha arranca seu próprio bico. É uma espécie de prova de cumplicidade.
Junto com alguns pequenos demônios percussionistas, dá o compasso da música da minha vida. Tum dum. E assim acordo, e assim como, e assim vivo e assim durmo, e assim, sempre. Tum dum. Por que a vida é algo de harmonia entre anjos e demônios. Nem que seja somente neste compasso que nos acompanha, até a morte, quando nos definimos.
De igual maneira, ele me tira do sarcófago se eu mesmo me mumifiquei. Ele me mostra Mozart. Ele me mostra Beethoven. Ele me apresenta Shakespeare. Ele me leva ao alto de mim mesmo (quando eu posso ir) para olhar tudo lá de cima. O sol se pondo, as nuvens vermelhas e a cidade mansa, como uma criança prestes a dormir.
Ele me disse outro dia que é caído por que nunca foi exímio harpista.


(Esse é pra ler ouvindo "O velho e o moço", do Rodrigo Amarante, Los Hermanos)

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Ar de velho sábio

“Não nos atrasemos com o passado
Não nos antecipemos com o futuro
A vida é um eterno presente”

Eu.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

eu, eu mesmo e irene

Li, num desses sites de notícias que um psiquiatra tem defendido que o Orkut pode gerar crise de identidade. Acho que ele tem um pouco de razão. O Orkut inovou bastante na maneira de nos relacionarmos. Criamos ali um apanhado de comunidades às quais optamos por participar, convidamos amigos, vasculhamos a vida alheia, enfim, fazemos sem-graçamente sentados à cadeira em frente ao computador o que antes fazíamos pessoalmente. Não, não sou o nem um pouco inovador alarmista que vai dizer que no futuro não sairemos mais de casa, da frente do computador. Não acredito nisso, em definitivo. Sentimos necessidade de nos relacionarmos no bom e velho ao vivo e a cores, de sairmos para vermos o pôr-do-sol, para comemorarmos os nossos aniversários.
O que fiquei pensando (leia-se, viajando) foi, tomando como ponto de partida o termo mídia, como meio, o quanto ainda tomamos a parte pelo todo, a forma pelo conteúdo. Vendo aquelas fotos obrigatoriamente felizes, aquelas pessoas obrigatoriamente sem problemas, não consigo me furtar a um certo estranhamento. De outra maneira, não vai aqui nenhum apelo a um comportamento extremamente oposto. Concordo que seria mórbido demais que todos colocassem no Orkut suas angústias e frustrações. O que me espanta é acreditarmos tanto que somos aquilo ali. Não sou eu quem vai oferecer aqui resposta profunda sobre a essência humana de cada qual, mas das coisas mais divertidas é analisar (mesmo que com uma psicologia de butiquim) o que as pessoas respondem quando o Orkut de maneira soturna e zombeteira, num dado momento nos propõe a pergunta “quem sou eu”. E toma-lhe metamorfoses ambulantes, poesias herméticas, letras de músicas conhecidas ou não. É bem verdade que tem muita gente que não coloca nada, tem gente que é sincero e coloca coisas que nós, que as conhecemos, concordamos e tem outras que colocam várias exclamações, coraçõezinhos e afins.
O Orkut nada mais é do que um meio. Numa viagem mais metafísica, nosso corpo é um meio. Nós não somos os nossos perfis no Orkut assim como não somos o nosso corpo. Tem coisas que somos cá dentro que não cabem em orkuts ou corpos, limitados demais para exteriorizar a natureza de cada um. A gente é que tem que ver se somos parte ou todo.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Eu estava errado


Ao contrário do post anterior, quem me conhece sabe muito bem o quanto é difícil para mim proferir as palavras que estão aí no topo a guisa de título. A questão é que eu poderia jurar que Donatella era a culpada. Quebrei a cara. Depois, tudo pareceu tão óbvio. Era só lembrar da abertura. A pista estava na abertura. Tudo bipartido. Duas versões opostas, duas hisórias opostas. Se a novela começou querendo nos mostrar Donatella como verdadeira culpada e Flora tentando provar sua inocência, nada mais lógico, seguindo a mensagem da abertura, que terminasse com Flora verdadeira culpada e Donatella tentando provar sua inocência. O jogo virou e agora vai ser bastante interessante acompanhar como Flora conseguirá provar uma mentira e como Donatella fará para convencer os outros da verdade.
Fazia tempo que uma novela não prometia tanto.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Confissões de uma mente perigosa

Devo confessar uma coisa. Muita gente vai dizer que já desconfiava, eu sei. Na verdade eu nunca fiz muita questão de esconder, só evitava comentar. Não é o tipo de coisa que se assume assim, impunemente, aos quatro ventos, por isso sempre mantive a discrição e saibam que, se hoje confesso aqui, abertamente, não será sem uma certa dose de constrangimento, mas é que acho que o comentário vem tanto a calhar que fiquei empolgado de dividir isso com meus virtuais e silenciosos leitores.
Eu vejo novela. Eu sei que depois dessa frase qualquer coisa que eu disser para dimensioná-la vai parecer uma tentativa desesperada e mentirosa de disfarçar uma compulsão irresistível, mas vá lá: Não assisto todas as novelas. No momento, somente “A favorita” é que vem despertando meu interesse. De fato, nas outras eu não sei nem o que vem se passando, mas “A favorita” eu resolvi, desde o inicinho, acompanhar. Uma história mal contada no passado, personagens ambíguas e motivos de sobra para acreditar tanto na versão de uma como da outra, foram idéias que me seduziram desde antes da novela estrear, com uma monumental chamada das duas protagonistas dizendo a mesma história ao mesmo tempo. Depois, o que me conquistou foi o título, uma remissão aos antigos folhetins recheados de melodramas de cortar os pulsos. E, para arrematar, uma abertura simples mas bastante eficiente com uma trilha sonora tango-eletrônica impossível de não se gostar e querer ouvir de novo. Agora, o que particularmente me conquista é o elenco feminino. Cláudia Raia é a melhor Donatella que poderia haver, Patrícia Pillar empresta uma dignidade e uma dubiedade a Flora que jamais outra atriz conseguiria e Mariana Ximenes, completando o trio, além de ser o pitéu que é, conseguiu estabelecer uma química bacana com as duas e ainda com Mauro Mendonça e Glória Menezes, esses já imunes a qualquer crítica negativa. Outra que vale a pena mencionar é Lília Cabral, apesar dela não integrar o núcleo principal. É impressionante a veracidade que ela consegue emprestar a sua sofrida e submissa personagem, que igualmente me cativou de primeira. A novela tem muita bola fora também. Em dados momentos, principalmente nos de tensão, sinto falta de uma boa briga escrita por um Gilberto Braga, por exemplo, mas nada que retire a excelência de um João Emanuel, até por que tentar barrar Gilberto Braga nesse quesito é missão quase impossível.
Aqui, uma pequena digressão. Gilberto Braga escreveu um das cenas mais contundentes de conflito de gerações que já vi na televisão. É uma cena do seriado “Anos Rebeldes” em que Cláudia Abreu e José Wilker contracenam. Ela, a filha guerrilheira em 1969 que estava na luta armada há mais de um ano sem o pai saber e ele o pai magnata que só pensava em ganhar dinheiro. Não é pela questão política, mas a construção emocional dos personagens, que me impressiona. Veja um pedaço desta cena neste link : (http://www.youtube.com/watch?v=MYpSD1OZvuc) E acredite que o melhor desta cena não está aí. O melhor do seriado não está aí. Está nas discussões entre Maria Lucia (Malu Mader) e João Alfredo (Cássio Gabus Mendes), na trilha sonora, no Galeno provocando o cunhado militar com frases tiradas de versos da música popular brasileira da época...
Voltando à Favorita, está marcada uma grande guinada na história para amanhã. Comento após.

sexta-feira, 18 de julho de 2008

andando na rua, voltando da escola

-Pra eu crescer, eu tenho que ficar igual a você?
-Como assim?
-Fazer essas coisas todas.
-Que coisas?
-Falar alto, beber cerveja, ter amigos porcos que nem os seus...
-Não, claro que não, mas é legal assim.
-E se eu crescer de outra forma?
-Que outra forma?
-Sei lá, diferente.
-Eu só conheço assim. Não cresci de outra forma.
-Entendi, mas você acha que seria mais difícil?
-Sei lá. Você que sabe.
-Mas eu ainda não cresci.
-Não parece... mas o que você quer, na verdade, com essas perguntas todas?
-Não sei, tô tentando descobrir.
A essa altura já haviam chegado à Rua Leocádia, 70, onde moravam.

quarta-feira, 16 de julho de 2008

filosofia de butiquim

Eu ando muito preocupado com essas coisas de existir. Eu não sei, se me fosse dada a opção de escolher, se eu existiria. Existir dá trabalho. Existir cansa. Existir mata e corre-se o risco de se deixar de existir. Eu não quero me matar, mas tampouco existo de uma forma que alguém possa dizer com boca cheia “Esse daí existe!”. Acho que posso dizer que existo mais ou menos. Tem horas que mais pareço um zepelim a vagar balofamente pelos ares imune a tudo: juízos, opiniões e outras coisas que determinam o limite daquilo que somos para aquilo que não somos. Mas também tem horas em que estou suscetível a tudo. Nessas horas, qualquer bater de asas de uma borboleta pode, realmente, gerar tufões no outro lado de mim, me demarcando como um Grand Canion.
Por essas e outras que, se eu tivesse ingerência no momento em que o Criador tivesse concebido a idéia de me conceber eu diria satisfeito e polidamente após um bocejo indiferente: “Não, obrigado! Essas coisas de existir não são para mim”.
Só que parece que, por algum motivo insondável, Ele pensa diferente e cá estou eu a dizer essas bobageiras. E você, aí, a lê-las. Vá entender.

terça-feira, 8 de julho de 2008

para quem precisa

Não sei porque tem épocas que a Guarda Municipal é tão intolerante com os ambulantes do Centro do Rio. Noutras, a relação por vezes, é tão indiferente que chega a ser amistosa (tô tentando lembrar aqui se já vi alguma vez um dos guardas consumindo algum produto, uma balinha que seja, de algum ambulante, mas acho que nunca vi). Não estou fazendo aqui defesa incondicional dos ambulantes. Creio que toda pessoa tem direito ao trabalho e estes, pelo menos, não estão optando por expedientes excusos para sua sobrevivência. Somente que não pode, igualmente, o resto da população ser refém desta situação. Ser conivente com o comércio informal como se tais comerciantes estivessem fazendo um favor, existindo, de forma sub-reptícia a ameaça de que, a qualquer momento, o tal comerciante pode desistir da “vida certa” e partir para a “vida errada”. Só para se deixar claro que escolhas são do cabedal moral de cada um. Além de atrapalhar o trânsito das pessoas nas calçadas, a utilização do passeio público para auferir lucros para si depende de cientificação da Prefeitura, salvo engano com pagamento de alguma taxa. Outra questão é o não pagamento de tributos a que todo brasileiro estaria submetido sob pena de inúmeras sanções, caso comerciante não-informal fosse. Não vai aqui um discuso pró-Estado, portanto necessariamente contra o cidadão. Concebo o Estado enquanto uma instituição que deve refletir os anseios da sociedade no que tange à vida em cojunto, portanto, se chegou-se ao nível de compartilhar-se socialmente valores como “o passeio público deve estar livre para o trânsito das pessoas” e “todos devem pagar tributos para que a vida em conjunto possa ser custeada” e tais valores, solidificaram-se em normas, é de bom alvitre cumprí-las. Ao antagonista: sei das mazelas que permeiam o Estado brasileiro, dos destinos equivocados que os governantes dão à excessiva carga tributária que nos é impingida e de como é relativa a noção de que valores compartilhados são necessariamente sabidos e cumpridos por cada um, mas defendo a idéia de que tais fracassos não devem ser desculpas para o non-sense, mas caminhos pedagógicos para que se acerte futuramente, com a evolução social.
Estas são meras reflexões abertas a debate. Não há que se negar que todos temos apreço por algo e desprezo por outro algo e portanto, gostaríamos muito que o objeto do nosso apreço vigorasse e que o objeto do nosso desprezo desaparecesse. Nesse tiroteio de pretensões é que deve subsistir o Direito.
Isso tudo por que teve uma gritaria aqui embaixo. Os guardas municipais vieram zunindo como um enxame de abelhas e as pessoas curiosas e ávidas, como crianças em zoológico. A quizumba durou bem uns 15 minutos. Muitos palavrões, muitas portas de loja se fechando, muita gente em volta parada olhando e eu aqui escrevendo. Sabe-se lá porquê.

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Sou tricolor de coração


O povo não perde uma. Uma das maiores vantagens de não se importar muito com futebol é que as chatices dos times 'adversários' não o incomodam. Quando vem um deles todo feliz achando que vai contar uma vantagem, já é prontamente recebido por uma indiferença que broxa qualquer iniciativa, como a tão comum neste dia pós final de libertadores, de se divertir com os órgãos genésicos alheios (espero que tenham entendido o eufemismo, pretendo manter alguma elegância).
Pois bem, como todos sabem andei acompanhando um pouco mais de futebol nos últimos tempos graças a atuação do meu time genético, o Fluminense, pelo qual, surpreendentemente (para quem me conhece sabe do que estou falando), descobri nutrir uma paixão, digamos, avassaladora nesta Libertadores. Aconteceu o previsível: o defunto nem esfriou e já veio a turma dos estranhos hábitos eufemístico-sexuais querendo se prevalecer disso pra cima de mim só porque agora a coisa mudou um pouco de figura.
Achei o jogo horroroso. Volto a frisar, não sou nenhum especialista em futebol, mas acho que para chegar a essa constatação nem é preciso sê-lo. O primeiro sinal de que havia algo estranho no ar foi a demora para começar a partida, até onde sei, por que o juiz queria que os jornalistas fossem de um canto para o outro. Nem deu pra perceber se o 'vício' chegou a ser sanado, mas logo depois senti arrepio ao descobrir que o árbitro era argentino (sim, só fui descobrir isso depois). Lá pelas tantas qualquer um poderia jurar que o cara era torcedor do Boca. Daí pra frente o que vi foi um jogo equilibrado. Toma lá dá cá, ataque/contra-ataque funcionando bem, defesa do Flu falhando em alguns momentos assustadores, mas também salvando, e o mesmo ocorrendo com o LDU. Tudo muito rotineiro. Não achei que o Fluminense deu nenhum show de bola, mas o LDU também igualmente não o fez, basta ver o placar até o final da prorrogação. Teve pênalti claro que não foi marcado (salvo engano, pros dois lados), teve lances legais tidos como impedidos (já na prorrogação) e inclusive um pênalti do Flu invalidado ao final sei lá eu porquê e nem quero saber só para continuar achando um absurdo pro resto da vida. Sei que, no fim das contas, o 4x1 poderia, sim, ter saído em várias ocasiões, mas uma certa incompetência e indolência, até, por parte do Fluminense, não o permitiu e a questão teve de ser decidida na roleta russa, no cara ou coroa que é a cobrança de pênalti.
Portanto, onanistas dos membros alheios (sei, o padrão de elegância deu uma decaída depois dessa, mas vá lá) nem percam o precioso tempo de vocês e vão procurar tais satisfações outra freguesia pois faço aqui o mea culpa do meu time, mas reconheço que festa igual àquela de ontem vocês jamais terão a competência de fazer e sentir. Juro, somente ela já valeu cada centavo do meu ingresso.
Saudações tricolores.

sábado, 28 de junho de 2008

aniversário

Os momentos mágicos passam em câmera lenta. Aquele breve relance de um milésimo de segundo, dura a eternidade que tem que durar quando a mente está absorta em suas mais singelas minudências de beleza. Hoje comemorei da forma que devia ser comemorada, os meus vinte e cinco anos recém-completos com algumas das pessoas mágicas habitam a minha vida. Eles têm o estranho hábito de tornar fantásticos estes momentos de música, arte e festa, quando estamos juntos em celebração. A muitas delas, devo minha vida, meu equilíbrio emocional pelo suporte e conforto que, espontaneamente, me ofereceram num momento difícil e a outras devo pela simples boa vontade de estar comigo neste dia de hoje. Faltaram muitas, não menos especiais, mas que se fizeram presente no meu coração.
O problema é que depois o tempo tem que recuperar o tempo perdido e as coisas começam a ficar rápidas, para compensar. Mas ainda assim esses momentos ficam guardados, como mais uma etapa de um processo em que se lapida o mais precioso dos tesouros, a amizade.

quarta-feira, 25 de junho de 2008

'Estou cego!'

Se a gente não tivesse o livre-arbítrio tudo seria mais fácil. A vida seria um suceder de determinados determinismos e ‘que maravilha viver’. Viveríamos como que num parque de diversões de zumbis a pousar as mãos sobre nossas imensas barrigas e dizer ‘ora veja’, sentindo a brisa matinal programada para aquele exato milésimo de segundo nos balançar as pelancas penduradas. Estou escatológico hoje. Mas tem dias que me pego a filosofar achando que o mundo é uma imensa escatologia. Estou lendo ‘Ensaio Sobre a Cegueira’ e discordo de Saramago. A obra tem seus méritos pois ninguém ganha um prêmio Nobel sem um mínimo de talento para nos fazer pensar, mas o problema é que parece que o Saramago também o escreveu sob o mesmo espírito que hoje escrevo estas palavras. Achando que o problema do mundo é ter gente demais no mundo sem saber de si e dos outros. Reforço que aqui estou pouco me lixando para o que acadêmicos e estetas acham. O que aqui vai são só as impressões que o livro me causou. Se essas impressões estão certas ou erradas, reservo este juízo a algo chamado foro íntimo que cada um tem o seu e que, inclusive, é sinal de extrema polidez respeitá-lo. Voltando, pareceu que ele esqueceu outros detalhes da existência humana que não os sórdidos e que na minha concepção e empáfia poderiam ter dado outros rumos mais agradáveis à narrativa. Ele poderia me dizer ‘se não gostou, não terminasse de ler’, mas terminei e, por isso, legitimo-me a proferir tais palavras (e mesmo que não tivesse terminado, teria dito da mesma forma, opinião não precisa de grandes requisitos para se dar). Acho que o grande estratagema é o livre-arbítrio. Para o bem e para o mal.

segunda-feira, 23 de junho de 2008

locked in

Quando tenho crises de depressão a criatividade me falta. É como se toda tristeza e angústia potencializada fosse capaz de demolir as delicadas estruturas da alegria e da beleza. Não sei bem se há motivos para ela, que chega sem ser convidada e quando vejo, já estou eu deitado no quarto escuro sem força para sequer levantar. (Não, senhores não há nada com os 25 anos recém-completos. Eles, muito pelo contrário, me dão alegria. Não, senhores, não quero ser depressivozinho poser chorando pelo mundo que não me ama.) Isso foi só pra dizer que a beleza da vida é capaz de me salvar. Seja ela no clichê de um amanhecer, ou num bom filme que me modifique a alma. Assim aconteceu hoje com “O escafandro e a borboleta”. A memória e a imaginação salvaram Jean Dominique Bauby da loucura quando, vítima de um avc aos 42 anos, ele, um jornalista bem sucedido, ex-editor da revista “Elle”, ficou completamente paralisado, menos dos movimentos das pálpebras do olho esquerdo. Através de piscadas de olho, Jean-Do “ditou” sua autobiografia letra por letra. O livro foi transformado em filme e este filme, hoje, mudou a minha vida. Segue um trecho do livro de Bauby:

"Por trás da cortina de pano roída pelas traças, uma claridade leitosa anuncia a aproximação da manhã. Doem-me os calcanhares, sinto a cabeça apertada num torno, e todo o meu corpo está encerrado numa espécie de escafandro. O meu quarto sai lentamente da penumbra. Observo pormenorizadamente as fotografias dos meus queridos, os desenhos das crianças, os cartazes, um pequeno ciclista de folha enviado por um camarada na véspera do Paris-Roubaix, e o cavalete que sustenta a cama onde estou incrustado há seis meses como um bernardo-eremita sobre o seu rochedo.
Não preciso de reflectir durante longo tempo para saber onde me encontro e recordar-me de que a minha vida sofreu uma reviravolta naquela sexta-feira, dia 8 de Dezembro do ano passado. Até essa altura, nunca tinha ouvido falar do tronco cerebral. Naquele dia descobri abruptamente essa peça fundamental do nosso computador de bordo, passagem obrigatória entre o cérebro e os terminais nervosos, quando um acidente cardio-vascular me deixou o dito tronco fora do circuito. Antigamente chamava-se-lhe “ligação ao cérebro” e a sua falta provocava muito simplesmente a morte. O progresso das técnicas de reanimação tornou o castigo mais sofisticado. É possível escapar, mas mergulha-se naquilo que a medicina anglo-saxónica baptizou muito justamente com o nome de locked-in-syndrome: paralisado da cabeça aos pés, o paciente fica encerrado dentro de si próprio, com o espírito intacto e os batimentos da pálpebra esquerda como único meio de comunicação.
Evidentemente, o principal interessado é o último a ser posto ao corrente dessas prerrogativas. Pela minha parte, tive direito a vinte dias de coma e algumas semanas de nevoeiro antes de me aperceber verdadeiramente da extensão dos danos. Só emergi verdadeiramente no fim de Janeiro, neste quarto 119 do Hospital Marítimo de Berck, onde agora penetram os alvores da madrugada.
É uma manhã vulgar. As sete horas, o carrilhão da capela recomeça a pontuar a fuga do tempo, de quarto em quarto de hora. Após a trégua da noite, os meus brônquios obstruídos põem-se a roncar ruidosamente. Crispadas sobre o lençol amarelo, as minhas mãos incomodam-me, sem que consiga determinar se estão a arder ou geladas. Para lutar contra o anquilosamente, desencadeio um movimento reflexo de alongamento que faz mover os braços e as pernas alguns milímetros. Tanto basta, por vezes, para aliviar um membro dorido.
O escafandro torna-se menos opressivo e o espírito pode vagabundear. como uma borboleta. Há tanta coisa a fazer. É possível elevar-me no espaço ou no tempo, partir a voar para a Terra do Fogo ou para a corte do rei Midas. É possível ir visitar a mulher amada, deslizar junto dela e acariciar o seu rosto, ainda adormecido. É possível construir castelos no ar, conquistar o Tosão de Ouro, descobrir a Atlântida, realizar os sonhos de criança e os sonhos de adulto.
Basta de dispersão. É sobretudo necessário que eu componha o início deste diário de viagem imóvel, para estar pronto quando o enviado do meu editor vier recolher este ditado feito letra a letra. Na minha cabeça, mastigo dez vezes cada frase, corto uma palavra, acrescento um adjectivo, e decoro o meu texto, parágrafo a parágrafo.
Sete e meia. A enfermeira de serviço interrompe o curso dos meus pensamentos. Segundo um ritual bem ensaiado, corre a cortina, verifica a traqueotomia e o gota-a-gota, e acende a televisão com vista à obtenção de informações. De momento, um desenho animado conta a história do sapo mais rápido do Oeste. E se eu formulasse o voto de ser transformado em sapo?"

Com a mesma dedicatória que Bauby fez a seus filhos neste livro, encerro este post: A vocês, desejo todas as borboletas!

sexta-feira, 20 de junho de 2008

sobre o poema abaixo

Acho que será um dos posts do qual me envergonho, o daí debaixo. Desculpem-me, mas tinha de publicá-lo mesmo sabendo que não atinge em mim na sua lógica superficial. É mais sensorial, o que aí foi. Não quer dizer, por isso, que seja melhor. Pode ser que seja uma merda. Mas aceito a condição. É o tipo de coisa que quero ler quando eu estiver fazendo mais sentido.
As coisas andam meio brabas, sabem? Desde que os Meninos da Providência foram esquartejados...
Como então?

As rochas

Como se não houvesse motivo
que se continuasse sentindo
que as coisas são um cubo
descendo escada abaixo.

Que a vida é desajeitada,
que tem coisas que vêm à garganta
e se alojam no peito
arranhando todas as artérias e átrios.

Como se houvesse motivo,
coisas acontecem desafiando a ciência
e o entendimento das coisas todas,
comprometidas, se mantém inalterado.

Doutos da vida, suposições absolutas,
o sentido é uma inextrincável teia de ressentimentos.
E os mudos, cegos e mendigos
são um flash na ciranda incontrolável do tempo.

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Acerca da morte

Eu vou morrer. Um nanossegundo de terror e uma grande libertação são o que sinto depois de proferir estas palavras. Você também vai morrer. Um ano vai se passar, cem, mil anos, milhões de anos, e o que será? Fico vendo ruínas dessas cidades antigas. É como se a realidade de cada tempo fosse um grande palco e chegasse uma hora em que o show acabasse. Os atores se desfazem de seus personagens, o cenário é desarmado, as pessoas vão embora, as luzes se apagam. Como estará o Rio de Janeiro daqui a cem mil anos? O meu quarto. A minha rua. O maracanã. “Infinito é realmente um dos deuses mais lindos”. E apavorantes também. Tenho por convicção pessoal que a morte é só uma passagem de uma vida imortal. A vida da nossa essência, a vida do nosso espírito. Mas a perspectiva de ser imortal, parando para pensar, me assusta tanto quanto a de ser mortal. A diferença entre uma e outra é a do tudo e do nada. Em uma você estará vivo para sempre e em outra você estará morto para sempre, mas, em ambas, isso será para todo o sempre. A diferença é que eu prefiro acreditar que estarei vivo. A fé é uma questão de escolha, digo e repito. Os antropólogos afirmam que a religião existe porque o homem é o único animal que sabe de sua morte. Nós, os religiosos, sabemos que há muitas outras diferenças entre nós e os animais, ainda que haja cavalares proximidades. A grande questão que se coloca, sim, em nossas vidas é o medo da morte. Todos o temos, mas estive pensando o quanto ela (a iniludível) é necessária para o universo (e para nós próprios também, arrisco), para que outras vidas possam vir, melhores ou piores. É a única coisa sobre a qual não podemos transigir, nós, intransigentes que somos. A vida nos cobra implacavelmente a nossa caridade em deixar que outras vidas e tempos venham. Saber que se vai morrer pode dar medo, mas é igualmente libertador. Um destes artistas contemporâneos, em uma mostra, concretizou essa proposta em um imenso telão com imagens de milhares de anônimos dizendo “eu vou morrer”. O visitante podia igualmente participar entrando em uma cabine e gravando a si próprio falando a malfadada frase. De repente é aí que está a lógica de nossa igualdade universal: Estamos todos sujeitos à mesma Lei que diz que todos iremos morrer. Saber morrer, no fim das contas, é uma grande experiência de humildade.

sábado, 7 de junho de 2008

rascunho

Dentro de mim mora uma cidade. Rodovias, arranha-céus, carros, buzinas, janelas acesas à noite, avenidas, pessoas felizes e outras nem tanto. Eu sou cada uma dessas coisas. Eu me multiplico nelas e nelas me escondo. Eu sou um só e as minhas escolhas. Uma possibilidade. Eu sou a cura para mim mesmo. Eu sou o veneno para mim mesmo. Eu corto meu pulso e danço. Eu tomo banho e choro. Eu vejo uma menina bonita e sorrio (ela tem cheiro de flor).
Eu tenho medo do futuro, mas vivo ele mesmo assim. A cada segundo ele vem novo como um feto. Eu canto músicas que não terminam, eu lembro dos filmes que eu nunca vi (passando sem parar em algum lugar). Eu fico mudo, eu vejo cores. Eu sambo, pulo carnaval, canto alto e me acho muito desengonçado e diminuo um pouco o ritmo, sinto vergonha, me constranjo à toa e fujo pra barra da saia da minha mãe. Eu não gosto de me expor, mas a minha vida é como se fosse um filme. Um filme em preto e branco, quase um noir, com pessoas falando frases de efeito e assoprando fumaças de cigarro, um filme com chuva e um beijo apaixonado no final, com a mocinha chorando e me achando o homem da vida dela. Um filme com femmes fatales longilíneas cujo dorso nu alimentou muitos sonhos adolescentes nos anos 50 e todas elas querem ficar comigo a noite inteira para depois acenderem seus cigarros.
Eu sou o burocrata que escondeu atrás de papéis toda a sua humanidade. Eu sou a barata de kafka, eu sou a Luz do Mundo. Eu sou estudioso e também tenho muita preguiça. Eu ando de terno e gravata e mudo de personalidade quando uso óculos escuros. Eu amo as pessoas e me prostituo para que elas me amem também. Eu sou hipócrita, mas todos dormem. Agora vejo em parte, mas então veremos face a face.
Eu sou.
Eu fui.
Eu vou.

quinta-feira, 22 de maio de 2008

futebol

Existe um momento especial nas nossas vidas em que passamos a entender coisas que não entendíamos antes. Como num passe de mágica, tudo o que não fazia sentido para a gente, passa a fazer. Deve ter algo a ver com crescer, amadurecer, passar a ter aptidão de manipular recursos mentais (razão e emoção) que simplesmente inexistiam antes, ou existiam mas gozavam de uma intocabilidade virginal que, por algum motivo que ignoramos, se auto-viola e segue avante. Que seja, a nossa vida passa a ser mais completa (e complexa, até) depois disso e, por isso mesmo, mais interessante.
Ontem aconteceu isso comigo nesse jogo Fluminense X São Paulo pela Libertadores. Quem me conhece sabe, ou melhor, tem convicção do meu analfabetismo futebolístico. Tudo bem que eu sei o que é impedimento, mas isso só porque entendo que o jogo tem que ser minimamente justo. Agora não me pergunte quando ocorre o escanteio, por que o goleiro ora lança a bola da grande área, ora da pequena (o que é mesmo aquela meia-lua depois da grande área??) e muito menos (temeridade das temeridades, eu sei) a escalação do meu time (sim, agora estou sentindo vergonha de mim, mas já estou sabendo muito bem quem é Washington e Dodô, pelo menos -assim como os pobres são-paulinos).
Eu sempre fui a jogo de futebol no Maracanã desde pequeno com meu pai, mas nunca me empolguei muito, para frustração dele, um inveterado espectador que era capaz de saber a quantas anda a liga afro-asiática de futebol de várzea. Gostava de ir ao estádio mais para ver a festa das pessoas do que pelo jogo, em si. Lembro de algumas vezes sair gol e eu só me dar conta com o grito da torcida, de tão distraído que estava.
A crítica que fazia, continua valendo. É só um bando de homens correndo atrás de uma bola por 90 minutos, com um intervalo no meio. O Armando Nogueira foi além dizendo uma vez que, na maioria dos casos, futebol era um bando de milionários que se reuniam para bater uma bolinha. O futebol é, sim, irrelevante. Mas todas essas críticas são racionais. Ontem eu pude perceber a magia do futebol e tive a nítida percepção de que mesmo que o Fluminense tivesse perdido, eu teria gostado da mesma forma. A beleza do futebol não está na mecânica pura e simples de táticas e movimentos, mas nas infinitas possibilidades, na intrepidez e criatividade dos jogadores que, muitas vezes, são como autores de bons livros inventando soluções criativas para suas histórias. Quando você acha que o mocinho não vai se safar, ele sempre dá um jeito que não nos tinha acudido à cabeça, quando você acha que o jogador não vai se safar, ele inventa um drible que você não quer nem saber de onde ele tirou e como ele conseguiu fazer e vibra junto com a torcida.
Falando em torcedores, muitos deles exageram, sim. É inconcebível que pessoas se matem só porque torcem por times diferentes, mas a festa que se faz quando o time ganha um jogo como o de ontem, passam meses e ela ainda fica encravada na retina. Outro problema também são as reações explosivas e a tensão emocional que os torcedores acumulam vendo um jogo, responsáveis por enfartos e outras complicações de saúde. Quando ultrapassam-se estas fronteiras, está claro que o futebol deixou de ser o que nasceu para ser, uma diversão, e passou a ser sintoma de alguma doença. Não é preciso ser psicólogo para entender as transferências emocionais de que o futebol pode ser vítima.
Eu achava também que não gostar de futebol era sinal de personalidade forte, não se deixar influenciar pelo meio, remar um pouquinho contra a maré. Pode até ser, mas é uma tolice. Existem outras formas mais eficientes e relevantes de se remar contra a maré. Ontem percebi o quanto não é só por que todo mundo gosta que todo mundo gosta, mas por que é bem legal, mesmo.
Passar por isso tudo é um pouco catártico. Como muitos sabem meu pai faleceu faz um tempinho. Sempre me senti um pouco frustrado e até diminuído por não conseguir gostar de futebol e achava que meu pai se importava com isso também. Conseguir gostar de futebol foi meio que “uma conquista”, meio que me sentir amado pelo meu pai. Não que eu tivesse dúvida do amor dele, mas é fato que essa coisa do futebol era difícil pra ele. Não o culpo, coisa de pai. É muito bonito ver os pais levando os filhos ao jogo. É um momento de intimidade dos dois, em que eles podem se divertir juntos e se aproximarem mais e ontem vi isso com mais clareza e foi um pouco triste por ter me dado conta disso um pouco tarde demais, mas antes tarde do que nunca. Quando eu tiver um filho, vou levá-lo ao Maracanã!

quinta-feira, 8 de maio de 2008

[ballet]

Eu sou uma bola de neve. A cada metro andado, me guardo, me acumulo. De mim e do mundo. E me desfaço. E me refaço. Frágil e perseverante. Daquilo que fui muito ontem, pouco me restou senão a vontade de me libertar e andar. Tudo muito quase automático, muito quase consciente. Tênue fronteira que me constringe a não ser o que não sou.

sexta-feira, 2 de maio de 2008

A realidade é o 18º camelo

Por Agência EFE

Nem as cores existem na natureza nem nossa mente reflete fielmente os que nos rodeia. A realidade é proporcional ao número de seres humanos, posto que o que cada um percebe é filtrado e deformado pelos sentidos objetivos e a mente subjetiva.
O mundo visual que nos rodeia é uma ilusão? É verdade que as cores não existem na natureza? Nosso cérebro reflete fielmente a realidade exterior? As respostas a essas perguntas demonstram que a realidade é um conceito bastante subjetivo, já que muitas das coisas que observamos não existem ou, pelo menos, não são como as enxergamos.
O coquetel de estímulos provenientes do interior e do exterior de nosso corpo e que captamos por meio dos cinco sentidos varia sutilmente de uma pessoa para outra, já que a estrutura, as diferenças e as alterações dos órgãos sensoriais de cada um fazem com que, por exemplo, vejamos e escutemos de forma diferente, tanto que não exitem duas percepções iguais do real.
Se essa percepção objetiva, por sua vez, é alterada pela interpretação subjetiva do que somos, acontece e nos rodeia, com base em nossa bagagem de aprendizados e experiências, podemos concluir que a realidade é algo tão pessoal e único como as impressões digitais.
Segundo o neurocientista Francisco J. Rubia, autor do livro "¿Qué sabes de tu cerebro?" ("O que seu cérebro sabe"), "antigamente se achava que o cérebro refletia de forma fidedigna o mundo exterior, mas, a cada dia, parece mais evidente que o cérebro é um mundo fechado que traduz os estímulos externos para a linguagem disponibilizada pelas estruturas cerebrais, dando uma versão interna ou uma representação da realidade exterior".

O mundo visual é uma ilusão?
É o que parece. As imagens, que se formam nas duas retinas dos olhos, são distorcidas, pequenas e invertidas. Além disso, o poder de resolução do olho é limitado e disforme, já que, fora do ponto de maior acuidade, é baixo e a retina é praticamente cega para as cores.
O olho, além disso, se movimenta constantemente de um ponto para outro do campo visual, de três a quatro vezes por segundo, o que faz o órgão criar um montão de novas imagens.
Por outro lado, é conhecida a importância da atenção para a percepção de qualquer sensação: por exemplo, se não temos atenção, não vemos.
Além disso, o cérebro "completa" a percepção das coisas que não são vistas, como a visão de um cachorro inteiro atrás de uma cerca, embora só vejamos partes do animal.
Mas, talvez o mais importante, seja constatar que muitas das coisas que vemos são criações do cérebro. As chamadas "ilusões óticas" são inúmeras e dizem "a gritos que o cérebro vê o que quer ver, por isso somos incapazes de captar o que costumamos chamar de 'realidade'".
As cores não existem. A natureza não tem mais que diferentes comprimentos de onda. A audição, a visão, a percepção da cor ou do som... Tudo depende do nosso cérebro e da organização espacial das estruturas que processam esses estímulos.
Além disso, o processamento cerebral das características ou propriedades dos diferentes estímulos do ambiente, como a qualidade, a intensidade, sua estrutura temporária e local de procedência, podem variar, devido às estruturas e células nervosas que os recebem e transportam.
Na visão cromática, intervêm receptores que captam os diferentes comprimentos de onda do espectro electromagnético (azul-violeta, verde, e amarelo-vermelho) e células que produzem as sensação de contraste entre as cores.
No final de todo o processo, o cérebro atribui uma determinada cor à atividade dos receptores e de todas as células que há até a informação chegar a um região denominada córtex visual. Mas um comprimento de onda não se transforma no cérebro em uma determinada cor. Não há uma correlação clara entre as duas coisas.

Presos dentro de nós mesmos
Nosso cérebro, então, reflete a realidade exterior? Para Rubia, esta pergunta tem um categórico "NÃO" como resposta.
"Existe uma realidade exterior, mas tudo o que vemos, ouvimos, cheiramos, sentimos está dentro de nós mesmos. É o próprio cérebro que está sempre falando com a gente", destaca.
Segundo o cientista, "graças às transformações que os receptores dos estímulos externos realizam, graças à tradução dos estímulos físicos para a linguagem cerebral dos impulsos nervosos, fazemos com que surja essa realidade, esse mundo que não está fora, mas dentro do cérebro".
A tradução deve ser boa, porque, caso contrário, não teríamos nos adaptado tão satisfatoriamente ao nosso entorno. Porém, estamos presos dentro do nosso cérebro, e qualquer pensamento sobre a captação da realidade é pura ilusão, diz o especialista.


Omar Segura

(retirado de: http://br.noticias.yahoo.com/s/080502/48/gjn2li.html)

quinta-feira, 1 de maio de 2008

epistolar

1: Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o símbalo que tine.
2: E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse amor, nada seria.
3: E ainda que distribuísse toda a minha fortuna para sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, e não tivesse amor, nada disso me aproveitaria.
4: O amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; o amor não trata com leviandade, não se ensoberbece.
5: Não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal;
6: Não folga com a injustiça, mas folga com a verdade;
7: Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.
8: O amor nunca falha; mas havendo profecias, serão aniquiladas; havendo línguas, cessarão; havendo ciência, desaparecerá;
9: Porque, em parte, conhecemos, e em parte profetizamos;
10: Mas, quando vier o que é perfeito, então o que o é em parte será aniquilado.
11: Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, discorria como menino, mas, logo que cheguei a ser homem, acabei com as coisas de menino.
12: Porque agora vemos por espelho em enigma, mas então veremos face a face; agora conheço em parte, mas então conhecerei como também sou conhecido.
13: Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três, mas o maior destes é o amor.

S. Paulo, I CORÍNTIOS 13.


***

“A religião se preocupa tanto com o pecado original que olvidou-se da pureza original” é uma frase que os roteiristas de “Irmão sol, irmã lua” colocaram na boca do Papa Inocêncio III em seu diálogo com São Francisco de Assis. Pouco me importa se assim foi ou não, o que me importa é que falar em religião causa curto-circuito em muitas cabeças, quando na verdade, deve ser somente uma proposta de ver o mundo através da ótica do Amor. Lobotomia, cauterização cerebral. É o que já me disseram a respeito dos métodos desse malfadado instituto, mas o que mais me espanta é que quem assim acusa, serve a algum tipo de convicção que igualmente lobotomiza e cauteriza e que, por muito pouco, não pode ser chamada de religião. Não experimentaram sentimentos que eu, religioso que sou, já experimentei. Certamente que igualmente eu me privo também de certos afazeres, mas religião e convicção são, no final das contas, escolhas, e em toda escolha há caminhos que devem ser deixados para trás.
Mas não há grandes diferenças entre não-religiosos e eu. Sei que tem dias em que estou menos religioso que eles e isso é confortante, não por gosto de vê-los submetidos aos meus caprichos (vendo-os vencidos pela religiosidade), mas por identificá-los como iguais, por que nessas ocasiões também eu estou submetido aos caprichos deles (vendo-me vencido pela não-religiosidade).
A religião, para mim, é a linguagem do Amor. Nos ligamos a Deus (Todo Amor) por ela. Nos unimos ao Todo através dela.

terça-feira, 22 de abril de 2008

antônimos alternativos

Tem dias em que tudo cansa. Acordar cansa, escovar os dentes cansa, ver televisão cansa, estudar cansa, coçar o saco cansa, escrever no blog cansa. Não um cansaço que dormir resolva. Um cansaço mental, um tédio. Fica parecendo que tudo que se está fazendo, faz-se da forma errada e que a festa é em outro lugar.

Vontade que a vida fosse um antônimo alternativo à morte ou ao suicídio.

segunda-feira, 14 de abril de 2008

ciclo

A notícia veio acompanhada de uma arritmia respiratória como se o curso natural das coisas tivesse dado um salto. Daí naqueles momentos de vertigem em que se busca o chão é que me dei conta de que já era manhã e que lá fora ventava. Dia cinza. Algumas palavras ao telefone, informações a mais, detalhes, horas. Ainda andei um pouco pela casa. Queria pouco som. Queria descanso. Queria pensar. Vi o vento nas árvores lá fora e aquilo me deu paz, num dos misteriosos artifícios da natureza. Falei com amigos e saí.
Cemitério vem do grego ‘kemiterus’ (ou algo assim) quer dizer dormitório. “Nós que aqui estamos por vós esperamos” me veio à cabeça. Há muita bugiganga enfeitando buracos no chão onde choramos nossos mortos, nossos libertos. Para quê? Os antigos acreditavam que os mortos viviam em mundos subterrâneos e que eles precisariam de comida e bebida do lado de lá. A física moderna concebe a existência de outras dimensões. O Espiritismo diz que eles estão entre nós. ‘O silêncio da sepultura é pobreza dos sentidos’. Que assim seja pois de qualquer forma o que fica é o que sentimos. As lembranças das risadas, das bagunças, dos choros, das viagens e tantas outras coisas. Só lembrança será com o que temos de nos acostumar quando não podemos mais ver, tocar e abraçar a pessoa que se apagou aqui para continuar lá. Lá para onde iremos também assim que não tivermos mais como sentir tanta saudade, aqui.

quarta-feira, 9 de abril de 2008

todo estranho


Calem a minha boca.
Tapem os meus ouvidos,
mas não esses que as mãos alcançam.
O meu espírito pode adivinhar a agulha caindo no quarto ao lado.
E de tanto me olhar já me perdi no que sou.

(Escher Cube Real Front)

quarta-feira, 26 de março de 2008

de onde vem a calma

"e no final assim, calado,
eu sei que vou ser coroado rei de mim"

MC-LH (de onde vem a calma)

A chuva leva bastante sujeira para as ruas. Além de tingir tudo de prateado, ela faz com que as pessoas tenham menos paciência, andem mais rápido, se esbarrem com mais violência. Os meus sapatos me apertam. Engraxei-os hoje pela manhã e já estão irreconhecíveis. Procuro não me importar com isso. A temperatura está mais amena que ontem, mas não o suficiente para tornar confortável andar pelas ruas com terno e gravata. Sinto um pouco de falta de ar. Seguro um guarda-chuvas vacilante.
Sinto-me como que observado, como que cobrado. Não sei quando nem porquê fiquei sério, assim, frio. A vitrine repleta de televisores me exige alegria e eu também. Mas não de uma forma espontânea. De uma forma violenta, que dói no peito, contra a vontade, e que invariavelmente disfarço, com certo cinismo. Mas os olhos não mentem. Natália sabia disso muito bem e era a pessoa que mais sabia ler meus olhos. Eu não conseguia mentir para ela, mas ela conseguia mentir para mim. E para ela também. Pensar na Natália me dá fome. Fome, não, apetite. Vontade de fazer amor com ela repetidas vezes depois de brigar. Ouvir os suspiros dela no meu ouvido e me sentir vingado. Só que ela sabia ler meus olhos e via o que eu não queria e também o que eu não sabia, como se eles fossem uma bola de cristal. Ela disse que descobriu que não era a mulher certa para mim e bateu a porta. Nunca vou me esquecer dos cabelos dela balançando ao fazer isso. É a imagem que ainda tenho daquele dia. Tinha urgência naqueles cabelos. Vontade de fugir. Os cabelos dela me magoaram profundamente. E o reflexo do sol da manhã que vinha deles rapidamente se desfiguraram na mesma hora da dor na garganta e da vontade de gritar. Por que eu não sabia de quem tinha sido a culpa.
Pensar nisso pesa o corpo e ainda tenho dois quarteirões para atravessar. Com poças d´água e pessoas bufando na calçada estreita.
A chuva aperta. A parte baixa da calça do meu terno já está um pouco molhada e a parte de trás, com pontinhos brancos da poeira da chuva. Ando mais rápido e balanço a cabeça para arrumar os pensamentos.

domingo, 23 de março de 2008

filme: Chega de Saudade.


Filmes que me inspiram. Filmes que me façam identificar em cada personagem um pedaço de mim, na tão misteriosa universalidade que nos une através dessa coisa chamada empatia. Essa foi a grata surpresa da tarde de hoje: o filme “Chega de Saudade”. E eu que nem estava com vontade de ir ao cinema, acabei indo a um baile. Não um baile funk ou um baile de formatura, mas um baile desses onde se dança dança de salão onde o ambiente e a trilha sonora são melancólicos e celebram a vida, ao mesmo tempo. Onde há pessoas que vivem no limite entre a realidade e a ilusão. Onde há pessoas que se desnudam, mas que não dispensam o uso de máscaras quando convém, ou não. Tudo muito cotidiano, tudo muito excepcional. Dessas coisas que são verdadeiras, mas podem ser constrangedoras, que são passionais, mas podem ser bregas. A Laís Bodanzky soube usar bem close, foco, diálogos que sobrepunham músicas, conversas perdidas no salão (comentários maldosos, falas à toa, versos cantados ao pé do ouvido), exatamente como eu gostaria que fosse feito, com eu faria, se fosse o diretor. Gosto desses filmes que posso pegar emprestado. A cena em que Marquinos pergunta se Bel recebeu alguma coisa de alguém no salão e o diálogo entre eles. A cena em que Álvaro encontra com a ex-mulher morta e o diálogo entre eles. A cena em que Eudes recita “Carinhoso” nos ouvidos de Bel, e Marici chora escondida, de ciúmes. A cena em que Rita se masturba no banheiro. A cena em que Elza beija o dançarino à força e o joga fora com lágrima nos olhos. A cena em que Álvaro pede que o garçom não deixe que dona Alice perceba que se esquecera de buscar-lhe o remédio. E as inúmeras cenas de olhares do Paulo Vilhena, como Marquinhos; da Maria Flor, como Bel; de Leonardo Villar como Álvaro; de Stepan Nercessian, como Eudes; de Cássia Kiss e suas indefectíveis rugas, como Marici; de Clarice Abujamra, como Rita; de Betty Faria, como Elza e de Tônia Carrero, como Dona Alice. Tudo pela fotografia do Walter Carvalho. Tudo em uma só noite de baile e cada um com sua trilha sonora com a voz, a alma e as costas musculosas da Elza Soares, como a crooner Ana, da banda Lua de Prata. Como um grande vídeo-clipe de música brega. Como a vida da gente.

quinta-feira, 20 de março de 2008

filme: Ponto de Vista.

Uma cena que muita gente gostaria de ver. Numa solenidade pública, dá-se a palavra ao presidente dos Estados Unidos. Ele se dirige ao púlpito e saúda a platéia com os braços erguidos como se fosse dar-lhes um grande abraço. Antes que ele comece a falar, antes mesmo que abaixe os braços, é alvejado impiedosamente com dois tiros.
É a cena que se repete, pelo menos umas cinco vezes, vista por diferentes ângulos, no filme “Ponto de vista”. Aí está o início, meio e fim do filme. É o acontecimento principal que já é mostrado na seqüência inicial, cujos antecedentes são mostrados aos poucos junto com os desdobramentos. Pareceu confuso? Na telona, nem tanto. É até um filme bastante auto-explicativo. No início me lembrei de “Memento” e me empolguei um pouco chegando a pensar que a história fosse ser contada de trás pra frente, mas isso só acontece na primeira parte. O que se segue é só o “antes” e o “depois” da história e de alguns personagens.
Dessa forma somos apresentados ao presidente, interpretado por William Hurt; ao seu fiel guarda costas interpretado por Denis Quaid; ao enigmático turista americano, interpretado por Forrest Whitaker; ao membro da segurança do presidente, interpretado por Mathew Fox e outros tantos personagens.
O filme traz a um tanto absurda possibilidade de uma rede terrorista brilhantemente articulada se aproveitar de alguma aparição pública daquele que é o chefe da nação mais poderosa do mundo para matá-lo, ignorando seu forte aparato de segurança e, seu calcanhar de aquiles, o registro das muitas câmeras presentes no evento que, editadas, neste caso, têm uma boa história pra contar. Uma das maiores surpresas da trama é revelada justamente pela câmera de uma equipe de televisão que estava cobrindo o evento. Sem contar uma pobre menininha prestes a ser atropelada que soluciona boa parte dos problemas nos 20 minutos finais. A despeito dessas soluções mágicas (tá, a das câmeras é até bem bolada, mas Brian de Palma já tinha usado essa técnica há uns 10 anos atrás no impressionante “Olhos de Serpente” que teve toda a 1ª parte, de quase uma hora, filmada em um só take) e de várias perguntas sem respostas (qual era a do Forrest Whitaker? Qual era a dos terroristas?) é um filme que distrai deixando a gente entretido em ligar os fatos e prende na cadeira graças ao ritmo que a direção e a montagem conseguiram criar. Tem alguns clichês, mas não chama a platéia de burra e a sensação ao sair do cinema é boa, não por que foi legal ver o presidente americano levando uns tecos, mas por que, por ser um filme de ação, cumpre o seu papel fundamental, sem grandes ambições, que é entreter. Ainda tem o atrativo de ser passado na Europa muito embora as belezas da cidade de Salamanca, na Espanha, que serviu de cenário para a trama, não tenham sido priorizadas.

Que que eu tô fazendo aqui, caralho!?!?

Me perguntei isso umas 3 vezes no dia de hoje. É que fui ao Hopi Hari anos depois de ter prometido a mim mesmo que nunca mais colocaria os pés num parque de diversões. Eu me justificava, lá nos meados da minha adolescência, dizendo que meu padrão de diversão era diferente do da maioria das pessoas. Conversa fiada. Eu me cagava era de medo, e foi me cagando de medo que adentrei aqueles portões na manhã de hoje. Que nem cachorro em canoa, com diz um primo meu.
Do estacionamento, que guarda uma certa distância do parque, ouvíamos os gritos da galera que, num outro contexto poderia passar tranquilamente por gritos de vítimas de grandes cataclismas ou algo que o valha. Era assustador, de uma certa forma. Mas como, para minha íntima decepção, os meus acompanhantes não demonstravam as mesmas preocupações humanísticas que eu, guardei a impressão pra mim, e tentava disfarçar o pavor que tinha de despencar de não-sei-quantos-metros ou de ficar de cabeça para baixo em alta velocidade, fazendo cara de corajoso e tentando mostrar que nada daquilo me afetava, que era tudo muito normal. Acho que foi um esforço vão, mas, ainda assim, segui tentando. Sou brasileiro e não desisto nunca.
Depois de alguns minutos percebi que poderia me utilizar de um poderoso álibi: o parque havia sido invadido por uma verdadeira multidão e o tamanho das filas certamente era mais amedrontador que as atrações em si. Aí qualquer coisa era só dizer que eu bem quis andar naqueles brinquedos todos, mas as filas estavam muito grandes e eu não consegui. Que pena! Mas a coisa mais curiosa (e de certa forma, desanimadora) foi descobrir que havia a possibilidade surreal de comprar ingresso VIP pra não enfrentar fila. Sim, isso mesmo, uma furação de fila oficial e sem ouvir reclamação de quem ficou plantado esperando duas horas por meros cinco minutos de gritos e altas doses de adrenalina no sangue. Óbvio que acabei optando, meio a contragosto, por essa pequena corruptela socialmente aprovada só para não ficar conhecido entre os meus convivas como o cagão do ano. Era simples assim: a gente entrava por onde as pessoas normalmente saíam dos brinquedos e sentava lá, todo prosa, no banquinho da montanha russa na mão grande total. Supostamente, as outras pessoas aceitam bem isso por que a nossa contrapartida, em vez de horas em pé numa fila, é morrer em mais 20 merréizinhos. Tudo muito estranho. Enfim, em menos de uma hora cumpri um roteiro de 4 atrações que poderia levar um dia inteiro para ser cumprido. (A pergunta que não quer calar é: o que poderá acontecer quando mais pessoas puderem comprar esse ingresso VIP [se é que esse dia vai chegar]? Se chegar, prevejo pancadaria por que não existe coisa mais aborrecida que fila. Isso sem contar que nesses lugares a fila exerce um poderoso papel psicológico na potencialização do medo que o brinquedo pode proporcionar. Você fica ali olhando aquelas pessoas gritando sendo jogadas de um lado pro outro, pra cima, pra baixo, de cabeça pra baixo ou em queda livre e pensando onde foi amarrar o pobre do seu bode.)
No final, tudo era festa (tava soltando as mãos do carrinho da montanha russa e tudo. Pimpãozaço). Ainda lamentei que a tal promoção furafileitor tabajara não permitia mais que 4 ingressos. Esses 20 merréizinhos a mais me ajudaram a me livrar de um trauma e a refletir o papel que o medo exerce sobre a minha vida. Brincadeiras à parte, é fato que se eu tivesse me deixado render pelo medo, não teria me divertido nem um terço da metade do que me diverti com algo que assusta mais pela aparência. Praticamente uma sessão de psicoterapia.

(esse post foi escrito domingo, dia 16/03/2008, em São Paulo)

domingo, 2 de março de 2008

cineminha

Ressucitando a idéia de comentar filmes... Hoje assisti “Juno”. O filme é bom, mas tinha melhores expectativas. Sim, o roteiro é legal. Sim, Ellen Page arrebenta. Mas na saída do filme uma amiga me sacaneou que eu parecida o Flanders, o vizinho teletubbie dos Simpsons, por que classifiquei o filme com todos os adjetivos no diminutivo. Filminho bacaninha, roteirinho legalzinho, historinha levezinha. E é isso aê. Estou à caça de um filme melhor que “A culpa é do Fidel”, mas por enquanto ta difícil e ele permanece na minha página do orkut como favorito do momento. Fui à espera de algo mais chocante (e isso pode, sim, ter influenciado qualquer caráter depreciativo que essa crítica assumir), que me levasse a maiores reflexões. O filme não tem obrigação nenhuma de corresponder às minhas expectativas, mas achei algumas coisas muito simplistas e também que tem piadinhas e tiradinhas espertinhas demais. Não que as piadas fossem ruins ou fossem inadequadas às situações, muito pelo contrário, o problema é que dá a impressão de que, no fundo, o que se vai lembrar do filme é só o quanto a Juno e o pai adotivo da criança são espirituosos. Ele tem todo o direito de não ter uma abordagem moralista, mas também não pode deixar que a gente saia do cinema achando que toda aquela experiência é tão fácil de ser vivida. Sim, cada um com seu cada qual. Diferentes pessoas passam por situações difíceis de diferentes formas e o filme pode ser a história de uma menina que passou por aquela experiência com uma certa facilidade, mas o problema é que me parece que não houve mesmo muita seriedade ao tratar o tema. Pareceu, no final das contas, e o final do filme realça bastante essa idéia, de que tudo não passou de uma grande enrascada na qual aqueles jovens se meteram e, muito espertamente, conseguiram se livrar. A seriedade ficou restrita aos momentos de emoção quando Juno vai se dando conta que carrega uma pessoa consigo e não um saco de batatas. Destaque para as cenas do shopping com uma sensível atuação da Kate Beckingsale. Falando em atores, o time é muito bom. A Kate Beckingsale, que para mim ainda não havia dito ao que veio a não ser dar sopapos a torto e a direito na TV e na série com a personagem Elektra, faz bonito no papel da mãe adotiva neurótica que não consegue engravidar. Cheguei até a bolar a história da personagem na minha cabeça. Menina mimada inteligente que casou com um músico por querer ser um pouco cool e se achar muito quadradona e que perdeu um pouco da arrogância quando viu que não podia ter o que mais queria na vida, engravidar. Os atores que fizeram o pai de Juno e sua madrasta também foram bem e os personagens que interpretam são o sonho de toda adolescente que engravida. A melhor amiga também manda bem, mas o que eu fiquei realmente impressionado foi com o ator que interpretou o namorado. Era um personagem aparentemente simples, mas que poderia ficar muito caricato nas mãos de qualquer ator sem talento e ele encontrou o tom certo. É um moleque paparicado pela mãe, recém saído da infância e que é completamente apaixonado por Juno. É ingênuo, mas não é looser. É tímido, mas não é relutante.
Outro ponto importante também é a trilha sonora. Não conheço nenhuma das bandas e o único som que me pareceu familiar foi uma bossa nova (isso mesmo) ou outra cantada em inglês (isso mesmo) e uma versão do Sonic Youth pra uma música do Carpenters. Tudo muito bacaninha.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

câmbio flutuante

Ante a folha branca do word e o cursor piscando, um mundo de possibilidades se faz vertiginoso pra mim. A tênue fronteira entre o tudo e o nada de onde se originará um post neste blog de ninguém (que ninguém visita e – parece- ninguém escreve).
Pode ser que um dia me torne conhecido e esses escritos assumam um novo valor, pode ser que não. Pode ser que um dia alguém mude por algo que escrevi aqui, pode ser que não. Pode ser que um dia eu mude por algo que escrevi, pode ser que não. Fifty-fity. Always. O ordinário e o extraordinário andam juntos. São só dois lados da mesma moeda. E nem sempre, observem, o extraordinário depende do beneplácito alheio. Ninguém tem uma casa como a minha, uma família como a minha, amigos como os meus, um blog como o meu . Tudo tão extraordinariamente ordinário, tão ordinariamente extraordinário. O sentido das coisas está na intersubjetividade. Seria ela uma coisa assim tão ao Deus-dará? Nossos valores seriam igual ao dólar?

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

www.eusoucarente.com.br

Eu escrevo aqui como se tivesse leitores. De repente até os tenho, mas ignoro-os completamente. Acho que o sonho de todo blogueiro (se é que posso me enquadrar na categoria) é ter um livro publicado, ou uma coluna semanal num jornal de grande circulação ou dar uma entrevista ao Jô Soares, não necessariamente nessa mesma ordem. Mas óbvio que o que todo blogueiro quer em primeiro lugar é, sem dúvida alguma, ser lido. Até tenho essas outras ambições, mas num plano, digamos, mais lúdico. O que seria legal mesmo era saber que eu era lido. Assim, pelo menos, meu diálogo com supostos leitores não pareceria esquizofrenia ou cacoete de candidato a show de calouros mandando beijinhos pra platéia que não faz idéia de quem ele é.
Agora o “porquê” desse meu anseio por ser lido, eu não tenho uma resposta muito precisa. De repente é tão non-sense quanto assistir Big Brother, de repente é só pra me livrar dessa tralha toda daqui de dentro. São hipóteses.

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Se você soubesse quem você é

Admiro a capacidade do Boninho e da Rede Globo de tornarem o Big Brother um programa popular. Tudo bem que ajuda pra caramba só colocarem caras sarados e mulheres gostosas andando de sungão e biquininho o dia inteiro, mas acho estranho ninguém se incomodar que quem está como que de férias e com o agradável risco de ganhar um milhãozim (e muito mais, depois) são eles e não nós. Santa empatia (no caso, marketing)! Os participantes nem têm nada de extraordinário que não a beleza. Ou se têm, não têm espaço pra mostrar por que estão muito ocupados malhando, tomando banho de piscina, dançando nas festas ou conversando sobre quem indicou quem ou quem deve ou não ir pro paredão. Mas de alguma forma isso causa comoção nas pessoas e as faz acompanhar religiosamente o programa, torcer por fulano e se tornar inimigas mortais de cicrano sem nunca tê-los visto na vida.
Isso me leva a crer que o grande público veja o BBB como uma grande novela. Não duvido muito que tenha um certo ‘script’ por trás de tudo e que já se saiba de antemão, mais ou menos, quem levará a bolada, mas é óbvio que ali há uma chance muito maior para improvisos e imprevistos e pode ser que aí esteja o diferencial. Uma amiga defende, e com razão, que o programa não pretende ser além daquilo que, supostamente, é: entretenimento. Computação gráfica e edição bacaninha corroboram o argumento dela. Ok, eu me rendo, mas continua sendo meio curioso, olhando “de fora”, se divertir vendo um bando de gente tirando férias e gritando “uhuuuuu” por tudo.