quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

tempo tempo tempo tempo

Não deixa de ser paradoxal temermos tanto o passar dos anos, mas comemorarmos cada virada de 31 de dezembro para 1º de janeiro. Lembro-me de quando era criança e a dificuldade que tive para saber qual era o ano que estava começando. Na verdade, lembro-me de minha surpresa ao descobrir que existia algo como ‘anos’. Na minha pouca idade, não tinha atinado ainda para o porquê das festas de aniversário, as minhas preferidas, se repetirem e o intervalo de tempo entre elas. Eu havia presenciado poucas delas, para inferir uma regularidade, mas foi minha irmã mais velha que me ensinou esse disfarce numérico do tempo me explicando que, naquela noite, havia começado o ano de 1989. E lá se vão 20 anos.
De lá para cá, o tempo, essa testemunha minuciosa, cumpriu o seu papel sem nem me perguntar se podia, se eu estava de acordo. E assim, de menino me fiz moço e de moço vou fazendo-me homem. E eu que tire minhas conclusões. O tempo nada diz, só exemplifica. Este o seu método pedagógico, o único e, portanto, infalível.
Não vou reforçar o clichê de que as reflexões de fim de ano devem ser feitas todos os dias, nem muito menos o seu oposto, que diz que são inúteis. Acho que “reflexões de fim de ano” vêm automaticamente quando concluímos um ciclo da nossa vida. Impossível não fazermos um retrospecto quando concluímos a última série do colégio, quando nos formamos na faculdade, quando nos casamos, quando nascem nossos filhos e por aí vai. Realmente, todos os dias é impossível. Tem dias (a maior parte deles) em que o que mais queremos é cuidar da vida do que ficar fazendo retrospectos. Life is what happens while you´re doing other things. E é do conjunto desses dias que depois fazemos as nossas reflexões. Creio que a importância das reflexões é instilar a necessidade de melhorar aquilo que temos de pior e aperfeiçoar o que temos de melhor para os próximos dias que não queremos pensar sobre isso. E assim fazemos Darwin feliz, pois vamos evoluindo. Pouco importa se nos dias em que não queremos pensar sobre isso, mal nos lembramos integralmente das reflexões feitas, há sempre algo que nos leva a agir de outra maneira por que sabemos que, do contrário, iremos sofrer. Enfermidades psíquicas e suas nuances à parte, não somos adoradores do sofrimento.
Celebremos, então, a chegada de 2009! Celebremos o deus do tempo e sua força, mas não nos esqueçamos de interpretar seus sinais!
Paz!

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

capitu


Quando ela entrou correndo salão a dentro arrastando um pequeno bastão com um gesso à guisa de giz amarrado na ponta, nem precisava a trilha sonora adequada para eu me reapaixonar (muito embora Elephant gun do Beirut só toque na minha cabeça agora acompanhado da imagem dos olhos de cigana oblíquos e dissimulados de Capitu -ou da Letícia, quem vai saber). Na primeira vez que a vi, ela vestia-se num misto de bailarina e colombina. As primeiras palavras que vi sair de sua boca num rompante gritado foram: “É de madeira a porta que bate, o cão que late”. O ribombar da bateria que se seguiu foi mais um reflexo do impacto que senti do que propriamente da música. Hipnose. Ela, então, desfilou ombros, mãos e olhares, dançando diante de mim e eu era menos que um Bentinho de 14 anos e ela era mais que a lagarta listrada do Manuel Bandeira (até mais louca que Antônia). Era meu primeiro show do Manacá.

E ela entrou correndo salão adentro, sorrindo, meio dançando suas saias, brincando, para ser a Capitu do Bentinho, esta entidade cuja beleza deveria ser mais contemplada do que entendida, por que certos enigmas insolúveis hão de servir somente para isso. O Bentinho amargurado e dolorido, creio ser mais criação da minissérie do que da pena de Machado de Assis, pelo que lembro do livro que li há tanto tempo, ou quem sabe da ternura que despertou no diretor toda crueza que o personagem quis insinuar. Acho que Luiz Fernando Carvalho quis dialogar ternamente com o lado casmurro de Bentinho, como um pai ou um irmão, talvez mostrar uma essência que ele gostaria que o casmurro que jantou bem e foi ao teatro após a morte do filho, tivesse, ou então, além ainda, instigá-la. Funcionou comigo. Fui seduzido por aquele mundo ópera,rock,humor e tragédia e não só pela Letícia.