sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

A CIDADE MORTA

Há urubus voando nos céus da cidade.
A cidade morreu.
Suas vísceras estão expostas chocando os transeuntes.
Os transeuntes estão cegos, mas sentem o cheiro da carniça.
A Catedral anuncia com inúmeros gongos o funesto acontecimento,
mas suas inúmeras fileiras estão vazias.
Nem cachorro,
nem porta aberta.
Há um silêncio pesaroso pelas ruas.
Não há carros andando, não há pessoas falando.
O sol testemunha tudo em seu mais esplendoroso verão
e um vento quente que não aquece, sopra na alameda central.
Há nós nas gargantas.

Deus Pai,
tende piedade desta cidade,
guarde-a, agora, junto a Ti.
E que de cada coração possa nascer uma nova cidade,
e que de cada pulsar possa nascer o seu melhor juízo final.

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

eletrotango

Eu e minha fixação por vilões. Devo ter sido um cara muito cobra em alguma outra encarnação porque sempre preferi os vilões. Já pensou se eu descubro que fui Gengis Khan? Ou, sei lá, Adolf Hitler? Ok, peguei pesado. Eu devo ter sido alguma personalidade mais controversa, tipo algum imperador romano desses que nem foi o diabo, mas também passou longe de ser Deus. Eu e minhas inúteis digressões sobre megalomanias reencarnacionistas. No final das contas, um dia acabo descobrindo que fui mesmo é um pobre-diabo qualquer desses que perambulou a toa pelo mundo e ninguém nunca soube da existência e que veio nessa adorando vilões só para se vingar do mundo cruel por tabela – isso me fez lembrar que estou devendo um post sobre Hamlet que quero muito escrever. Vai saber.
Fato é que sou muito mais a Flora que a Donatella. Ok, a Donatella não é o tipo de mocinha que estamos acostumados a ver, ela é “humana” (leia-se “faz maldade também”). Muito menos a Flora é um tipo de vilã comum, dessas que comem criancinhas no café da manhã, coelhinhos branquinhos no jantar e dão gargalhadas medonhas em noites de lua cheia. Estes dias fiquei pensando sobre essa história de vilão e mocinho e me veio à cabeça uma chefe megera que eu tive (uma das poucas, aliás, meus últimos chefes são totalmente do bem). Ela era chefe megera só ali naquele ambiente de trabalho, onde por algum tempo eu desenvolvi a mui nobre arte de odiá-la a cada palavra que ela falava (ou gritava, para ela, dava no mesmo). Mas vai saber, de repente ela é uma ótima mãe, uma amiga compreensiva, uma filha exemplar. As pessoas que não trabalhavam com ela, eu percebia, em geral, gostavam dela. E muito. Depois de um tempo confesso que isso começou a me intrigar e passei a vê-la com outros olhos e a coisa ficou um pouco melhor entre a gente e passei a ver que algumas pessoas também me consideravam vilão em alguns momentos. Eu confesso que eu não só era, como ainda sou, e não poucas vezes, e com alguma intensidade também.
Claro, tem algumas pessoas que perdem a mão. Até os santos, há tempos, não têm ao certo a medida da maldade. A Flora, por exemplo, por causa de um sentimento de rejeição mal resolvido fez o que fez. E nem pensem em dizer “ah, mas aquilo é novela”. Na verdade, vivem na ficção aqueles que acham que essas coisas não acontecem. Os psicopatas são mais comuns do que se imagina. Aqueles que transformam amor em ódio também.
Isso tudo por que acho que a Donatella deve perdoar a Flora. Se fosse eu juro que eu acho que perdoaria.
Ok, no próximo post, prometo que tento virar homem. Qual assunto vocês preferem? Futebol, política ou mulher?

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

urbana legio omnia vincit

Quinta feira passada eu fui assistir “Renato Russo”, a peça sobre o vocalista e líder de uma das bandas de maior relevância no cenário nacional, a Legião Urbana. Eu sou da geração que nasceu nos anos 80 e que, portanto, não teve a oportunidade de vivenciar a efervescência cultural e política daquela década. Meu gosto musical, então, se restringia aos novos sucessos da Xuxa, do Trem da Alegria e do Balão Mágico (este, muito pouco, é verdade) e o Sarney era só um cara que falava “brasileiros e brasileiras” de uma forma engraçada na televisão (e que eu gostava de imitar).
Fui conhecer a Legião Urbana mais precisamente no ano de 1997 quando do lançamento dos maiores sucessos da banda no CD “Mais do mesmo”. Era um presente que minha irmã havia ganhado de um namorado e que eu, sorrateiramente, confisquei. Eu tinha 14 anos e nem preciso dizer que a identificação foi imediata. Quase um evento astrológico. Estava ali toda a melancolia, toda rebeldia, toda dor, toda indignação e toda poesia que eu vivia naquele momento. Eu estava descobrindo o mundo, a literatura, a religiosidade, o sexo e o amor e a trilha sonora da Legião Urbana não só embalou muitos momentos como foi catalisadora, impulsionando pensamentos e descobertas. A Legião Urbana era muito mais que uma banda, era uma espécie de guru ( ironicamente, me veio agora à cabeça os versos de “Don´t look back in anger” – please don´t put your life in the hands of rock n´roll band who´ll throw it all away).
Pouco mais de 10 anos se passaram e lá estava eu na primeira fileira do teatro para assistir a peça. Jamais poderia imaginar que seria tamanha catarse. Não era o Renato Russo ali no palco (por mais que o ator se esforçasse, do Renato mesmo só consegui identificar a dancinha, faltou algo do tom de voz, do espírito e tem algumas cenas que achei desnecessárias, até constrangedoras, tipo uma coisa meio na cama com Madonna, só que desajeitado, não creio que o Renato fosse tão escrachado assim - deve ter uma maneira mais sutil e sofisticada de se falar da sexualidade dele), não era show da Legião Urbana, mas foi como voltar a ser adolescente um pouco. E nem sempre isso é ruim. Pelo menos para mim, não foi. Foi libertador de alguma forma a evocação daqueles dias em que as coisas iam aos poucos perdendo o brilho da infância e da ingenuidade para ganhar a sedução dos questionamentos. Tinham algumas coisas perdidas no meio do caminho e foi bom re-encontrá-las. Tinha tempo que não ouvia Legião Urbana e foi bom tirar a poeira dos tímpanos. E do coração.
Pelo que pude perceber, foi algo compartilhado pelas pessoas que estavam no teatro comigo. A Legião conseguiu superar até as falhas da peça.