Acabo de ler que mais um funcionário da France Telecom se suicidou. São 25 em um ano e meio. A matéria bem poderia estar figurando no rol de bizarrices do jornalismo não fosse o tema grave.
Os suicidas sempre me intrigaram. Não por admirar a conduta deles. Justamente pelo contrário. A vida, para mim, é algo tão inevitável e urgente que não sei se algum dia conseguirei desistir dela. Ok, ela não é muito clara, do ponto de vista da nossa racionalidade.
Afinal, há algum sentido nela, ou não? Somos fruto do acaso ou há algum propósito maior permeando a pasta de dente e o pôr-do-sol?
Sei lá, por mais que a vejamos como a mais indecifrável das esfinges, a gente pode afirmar que, no momento, conhecemos mais o lado de cá do que o de lá e, neste tocante, não tenho o menor espírito desbravador para viagens desconhecidas e sem volta.
Lembro do Michel Melamed entoando um texto em que materialismo e espiritualismo não faziam tanta diferença assim. As idéias de viver para sempre e morrer para sempre, de uma certa maneira, são igualmente vertiginosas e até assustadoras, mas daí a desejar a primeira opção vai uma larga distância.
Mesmo quando eu estou de mal humor, mesmo quando estou chorando odiando o mundo, em um dia de chuva preto-e-branco azedo como tamarindo, eu prefiro estar vivo. Como diria Vinícius de Moraes, é melhor estar vivo do que ser feliz (é clichê, mas é assim. Nem tudo que é clichê precisa ser falso. Pode ser cafona, mas não falso).
E então eu vejo essa matéria desta empresa que suicida seus empregados. Se eu trabalhasse lá, preferiria me demitir. Ou entrar para o sindicato, ou até dar um murro na cara de cada um dos diretores, ou ir para uma empresa nova, ou fundar uma empresa nova que fosse tão humana que seus empregados pudessem ficar velhinhos e se orgulharem de terem trabalhado nela. Quem sabe até, decidiria ir viver de artesanato, viajar o mundo tirando foto de tudo... Por que se há tão pouco sentido na vida, menos sentido há em se acabar com ela. Ainda mais por causa da France Telecom.
(fonte: http://br.noticias.yahoo.com/s/afp/091015/mundo/fran__a_telecom_suic__dio)
quinta-feira, 15 de outubro de 2009
quinta-feira, 1 de outubro de 2009
FESTIVAL DO RIO Filme: Abraços Partidos
Almodóvar para me distrair. Não é novidade que há algo de muito peculiar na obra dele. No ritmo, nos enquadramentos e, é claro, nas cores (tantas que, como a Adriana Calcanhotto, eu também não sei o nome). Roteiros absurdos que, ditos com naturalidade, numa mesa de café da manhã, conferem alguma estranha verossimilhança àquilo tudo. Personagens carismáticos, mulheres histéricas e irresistíveis, senso de humor que foge da obviedade. Paixão. Lembro do final de “Má educação” em que o filme fecha com uma frase com esta palavra ao final, quase no rodapé, para depois ser jogada na nossa cara, ocupando a tela toda. Ele é o cineasta da ‘passión’.
Por mais que não seja dos seus melhores trabalhos, para mim, é sempre um prazer me deixar levar para o estranho mundo de Pedro Almodóvar. Os meus preferidos são “A flor do meu segredo”, “Carne trêmula”, “Tudo Sobre Minha Mãe” e “Volver”. A este “Abraços Partidos” ("Los abrazos rotos") comecei a dar crédito pelo título forte e pela presença de Penélope Cruz, a quem o cara sabe filmar (lembrem-se da cena da câmera mergulhando em seu decote enquanto, na pia da cozinha, ela lava uma faca suja de sangue, em “Volver”).
Dia de chuva no Rio de Janeiro, uma dor de cotovelo para curar, Festival do Rio, lá fui eu para o cinema com a expectativa habitual para um filme dele (é sempre muito bom o sentimento de expectativa de ver um filme novo de um diretor de quem se gosta, é como a de quem irá ganhar um presente) que, pelo visto, não era só minha. A sessão lotou mesmo sendo quarta-feira à tarde.
Confirmando uma certa tendência recente do diretor em retratar também o universo masculino, esta, basicamente, é a história de um escritor de roteiros de cinema que perdeu a visão e a mulher que amava em um acidente de carro, a partir do qual assumiu a identidade de seu pseudônimo.
Paixão, ciúme, segredos de família, traição, morte, histeria, mistério, cores berrantes (vermelho, muito vermelho, como sempre), vingança, os peitos da Penélope Cruz. Está tudo lá. Com a elegância Almodovariana de sempre, mas faltou um não-sei-o-quê. Tem cenas antológicas e cheias de significados como a em que o protagonista cego abraça uma tela onde se exibia os seus últimos momentos ao lado da mulher amada, instantes antes desta morrer (a dicotomia ausência/presença proporcionada pela morte mais uma vez trabalhada magistralmente pelo diretor), que chegou a me arrancar lágrimas, ou a em que o marido traído assiste às provas da infidelidade da esposa ao lado de uma especialista em leitura labial que faz a dublagem das gravações, que foram feitas sem som, só para escrachar o lado patético (e tragicômico) do ciúme doentio.
Há ainda um revival de suas comédias rasgadas em um “filme dentro do filme” (‘chicas e maletas’ que, confesso, assistiria se fosse real) com um daqueles diálogos inacreditáveis, porém irresistíveis e o tom meio thriller do filme permite ainda que Almodóvar faça algumas brincadeiras com Psicose (isso mesmo!), vide uma cena passada numa escadaria com uma trilha sonora específica.
Ainda assim este “Abraços Partidos” não me maravilhou tanto quanto os outros títulos acima listados. O que não me impediu de aplaudir ao final da sessão (tipo de coisa que só se faz no Festival do Rio).
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