domingo, 6 de dezembro de 2009

Educando flamenguistas

Estou torcendo para o Flamengo ser campeão. Futebolisticamente falando, jamais admitiria tal absurdo. Porém, o faço civicamente. Em um análise pragmática, temos as seguintes variáveis: muita gente, muitíssima gente bêbada (de nada adianta a lei proibindo a venda de bebidas alcoólicas, acreditem), muitissíssima gente bêbada esperando o fim de protocolares e previsíveis 90 minutos (vale a pena ser campeão nessas condições?) para comemorarem um título de um campeonato de futebol. Tudo leva a crer que, do ponto de vista da paz social, uma vitória renda um saldo mais positivo para a ordem pública. Muito embora, em se tratando de Flamengo, como se sabe, pode haver controvérsias.
Nem vou entrar no mérito da discussão acerca da relevância, ou não do futebol nas vidas de cada um. Estou admitindo aqui a certa vitória do rubro-negro nesta tarde como um relevante valor cultural socialmente compartilhado, como um valor realmente positivo para uma catarse coletiva apoteótica capaz de realmente trazer o reino dos céus às existências de cada um.
A questão é que moro a alguns metros (sim, metros e não quilômetros) da Catedral Mundial do Futebol, o Maracanã. Desde as 10 horas da manhã (detalhe, o jogo começa às 17 horas) instalou-se um carro embaixo do meu prédio com um porta-malas que deveria se chamar porta-som. Se ele tivesse exercendo regularmente o seu direito de estacionar, muito bem. Mas não, ele resolveu, com esta antecedência nada exagerada, dar mostras de sua potência sonora. Eu até gosto de música, provavelmente não reclamaria se se optasse por um determinado repertório e uma determinada intensidade de decibéis, mas vocês devem imaginar qual deve ser o repertório e a intensidade dos decibéis. Hino do flamengo, samba do flamengo, funk do flamengo, gritos de gol. Hino do flamengo, samba do flamengo, funk do flamengo, gritos de gol. Hino do flamengo, samba do flamengo, funk do flamengo, gritos de gol. Cansou de ler? Imagina escutar esta estrondosa ladainha há 5 horas. Claro que algum desaforado virá de pronto responder: Se não está satisfeito, por que foi morar perto do Maracanã? Ou a variante: os incomodados que se mudem. A resposta é simples, curta e grossa: Ninguém é obrigado a aturar a falta de educação de ninguém e, estejam certos, se eu pudesse me mudar, me mudaria não de vizinhança, mas de país (e, se bobear, incômodo por incômodo, tenho até motivos para querer mudar de mundo).
Não estou aqui condenando a alegria, a festa, a comemoração por algo (que se quer) tão relevante quanto o futebol. Brinquem, cantem, comemorem, façam o que quiserem, mas respeitando o direito dos outros de não quererem ser incomodados pelos exageros de todo esse ritual.
E meninos, não façam pipi nas calçadas, não exibam seus pintos assim tão desavergonhadamente, há moças, senhoras e senhores, que têm o direito de não quererem ver vocês satisfazendo suas necessidades fisiológicas assim tão primitivamente. A rua é tanto de vocês quanto deles e acho que ninguém gosta do especial aroma que a mesma assume após o despejo de alguns milhares de litros de uréia.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Nowhere man


He's a real nowhere man,
Sitting in his Nowhere Land,
Making all his nowhere plans
for nobody.

Doesn't have a point of view,
Knows not where he's going to,
Isn't he a bit like you and me?

Nowhere Man please listen,
You don't know what you're missing,
Nowhere Man,the world is at your command!

He's as blind as he can be,
Just sees what he wants to see,
Nowhere Man can you see me at all?

Nowhere Man, don't worry,
Take your time, don't hurry,
Leave it all till somebody else
lends you a hand!

Doesn't have a point of view,
Knows not where he's going to,
Isn't he a bit like you and me?

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

A empresa que suicida as pessoas

Acabo de ler que mais um funcionário da France Telecom se suicidou. São 25 em um ano e meio. A matéria bem poderia estar figurando no rol de bizarrices do jornalismo não fosse o tema grave.
Os suicidas sempre me intrigaram. Não por admirar a conduta deles. Justamente pelo contrário. A vida, para mim, é algo tão inevitável e urgente que não sei se algum dia conseguirei desistir dela. Ok, ela não é muito clara, do ponto de vista da nossa racionalidade.
Afinal, há algum sentido nela, ou não? Somos fruto do acaso ou há algum propósito maior permeando a pasta de dente e o pôr-do-sol?
Sei lá, por mais que a vejamos como a mais indecifrável das esfinges, a gente pode afirmar que, no momento, conhecemos mais o lado de cá do que o de lá e, neste tocante, não tenho o menor espírito desbravador para viagens desconhecidas e sem volta.
Lembro do Michel Melamed entoando um texto em que materialismo e espiritualismo não faziam tanta diferença assim. As idéias de viver para sempre e morrer para sempre, de uma certa maneira, são igualmente vertiginosas e até assustadoras, mas daí a desejar a primeira opção vai uma larga distância.
Mesmo quando eu estou de mal humor, mesmo quando estou chorando odiando o mundo, em um dia de chuva preto-e-branco azedo como tamarindo, eu prefiro estar vivo. Como diria Vinícius de Moraes, é melhor estar vivo do que ser feliz (é clichê, mas é assim. Nem tudo que é clichê precisa ser falso. Pode ser cafona, mas não falso).
E então eu vejo essa matéria desta empresa que suicida seus empregados. Se eu trabalhasse lá, preferiria me demitir. Ou entrar para o sindicato, ou até dar um murro na cara de cada um dos diretores, ou ir para uma empresa nova, ou fundar uma empresa nova que fosse tão humana que seus empregados pudessem ficar velhinhos e se orgulharem de terem trabalhado nela. Quem sabe até, decidiria ir viver de artesanato, viajar o mundo tirando foto de tudo... Por que se há tão pouco sentido na vida, menos sentido há em se acabar com ela. Ainda mais por causa da France Telecom.


(fonte: http://br.noticias.yahoo.com/s/afp/091015/mundo/fran__a_telecom_suic__dio)

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

FESTIVAL DO RIO Filme: Abraços Partidos


Almodóvar para me distrair. Não é novidade que há algo de muito peculiar na obra dele. No ritmo, nos enquadramentos e, é claro, nas cores (tantas que, como a Adriana Calcanhotto, eu também não sei o nome). Roteiros absurdos que, ditos com naturalidade, numa mesa de café da manhã, conferem alguma estranha verossimilhança àquilo tudo. Personagens carismáticos, mulheres histéricas e irresistíveis, senso de humor que foge da obviedade. Paixão. Lembro do final de “Má educação” em que o filme fecha com uma frase com esta palavra ao final, quase no rodapé, para depois ser jogada na nossa cara, ocupando a tela toda. Ele é o cineasta da ‘passión’.
Por mais que não seja dos seus melhores trabalhos, para mim, é sempre um prazer me deixar levar para o estranho mundo de Pedro Almodóvar. Os meus preferidos são “A flor do meu segredo”, “Carne trêmula”, “Tudo Sobre Minha Mãe” e “Volver”. A este “Abraços Partidos” ("Los abrazos rotos") comecei a dar crédito pelo título forte e pela presença de Penélope Cruz, a quem o cara sabe filmar (lembrem-se da cena da câmera mergulhando em seu decote enquanto, na pia da cozinha, ela lava uma faca suja de sangue, em “Volver”).
Dia de chuva no Rio de Janeiro, uma dor de cotovelo para curar, Festival do Rio, lá fui eu para o cinema com a expectativa habitual para um filme dele (é sempre muito bom o sentimento de expectativa de ver um filme novo de um diretor de quem se gosta, é como a de quem irá ganhar um presente) que, pelo visto, não era só minha. A sessão lotou mesmo sendo quarta-feira à tarde.
Confirmando uma certa tendência recente do diretor em retratar também o universo masculino, esta, basicamente, é a história de um escritor de roteiros de cinema que perdeu a visão e a mulher que amava em um acidente de carro, a partir do qual assumiu a identidade de seu pseudônimo.
Paixão, ciúme, segredos de família, traição, morte, histeria, mistério, cores berrantes (vermelho, muito vermelho, como sempre), vingança, os peitos da Penélope Cruz. Está tudo lá. Com a elegância Almodovariana de sempre, mas faltou um não-sei-o-quê. Tem cenas antológicas e cheias de significados como a em que o protagonista cego abraça uma tela onde se exibia os seus últimos momentos ao lado da mulher amada, instantes antes desta morrer (a dicotomia ausência/presença proporcionada pela morte mais uma vez trabalhada magistralmente pelo diretor), que chegou a me arrancar lágrimas, ou a em que o marido traído assiste às provas da infidelidade da esposa ao lado de uma especialista em leitura labial que faz a dublagem das gravações, que foram feitas sem som, só para escrachar o lado patético (e tragicômico) do ciúme doentio.
Há ainda um revival de suas comédias rasgadas em um “filme dentro do filme” (‘chicas e maletas’ que, confesso, assistiria se fosse real) com um daqueles diálogos inacreditáveis, porém irresistíveis e o tom meio thriller do filme permite ainda que Almodóvar faça algumas brincadeiras com Psicose (isso mesmo!), vide uma cena passada numa escadaria com uma trilha sonora específica.
Ainda assim este “Abraços Partidos” não me maravilhou tanto quanto os outros títulos acima listados. O que não me impediu de aplaudir ao final da sessão (tipo de coisa que só se faz no Festival do Rio).

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

FESTIVAL DO RIO Filme: Che - A Guerrilha


Fui sem assistir a 1ª parte (“O argentino”), o que pretendo fazer em breve. Não por o filme ter me instigado tanto assim, mas para me situar melhor na trama. A história todo mundo já conhece. O que me levou a dar uma conferida no filme foi o Steven Soderberg na direção e Benício Del Toro no papel principal.
O filme não é ruim, mas é cansativo. Digo, prendeu minha atenção, mas talvez ficaria mais emocionalmente envolvido se tivesse visto a primeira parte. Já foi tempo que a figura de Che Guevara me provocava algum arroubo revolucionário, se é que alguma vez o fez. Gostei e simpatizei com o cara de Diários de Motocicleta, muito embora fosse encarnado por um galã tampinha meio canastrão como o Gael García Bernal, mas pelo menos, confesso, tive alguma empatia por ele.
Desta vez Che Guevara me incomodou. Passou a impressão de um sujeito arrogante e pretensioso que tem por convicção que sua visão de mundo é melhor que a de qualquer um. Não só isso, tem tanta gana de enfiar essa visão de mundo goela abaixo dos outros, que é capaz de se aventurar numa odisséia quase quixotesca pelas matas bolivianas (sem mencionar o Congo -!-) ainda carregando consigo um punhado de asseclas que o ouvem como a um guru, sem ousar discordar. Talvez porque soubessem muito bem quais seriam os seus tristes fins se o fizessem.
Essa impressão me contaminou de tal forma que o tom heróico que Soderberg tentou emprestar a Guevara soou romântico e ingênuo em demasia. Del Toro também caiu no lugar comum do mocinho-idealista-que-morre-por-sua-causa e soa ligeiramente afetado, mas tem lá seus méritos. Sua presença é forte, pois ele é daqueles atores que conseguem não só transmitir, mas emanar talento, entretanto, esperava mais. Mal e porquíssimamente comparando, em termos de personagem, interpretar Che Guevara, principalmente para seus admiradores, deve ser tão desafiador quanto interpretar Jesus Cristo, para um ator católico fervoroso. Guardadas as devidas proporções, são tantas as versões e lendas envolvendo cada um, que deve ser difícil localizar aquilo que talvez fosse essencial de suas naturezas, restando-lhes interpretar não a personalidade, mas as versões que historiadores e pensadores têm deles.
Nestes tempos de revival dos ideais de esquerda na América Latina, não sei dizer se as repercussões dessa obra serão positivas ou negativas. Tanto para o que ainda se chama esquerda como para o que ainda se chama direita nesta região, porque tanto pode reforçar o lado caricatural do personagem como, para alguém com maior paciência para com ele, enaltecê-lo, mas fiquei com a impressão de que não será nada relevante, não, como aconteceu com o primeiro filme.

sábado, 26 de setembro de 2009

Minha São Paulo

São Paulo. Velocidade é o seu combustível. Concreto. Grandeza.Cinza. Apoteótica avenida com pirâmides sem Faraós. Faraós com pirâmides paralelepípedas. Antenas arranhado as grossas nuvens negras de chuva, ondas e carbono. Carros. Lentas serpentes luminosas percorrendo largas avenidas sem fim, sem destino. Marginais. Ladeiras. Trânsito. Carrões. Buzinas. Cruzamentos que nunca são fechados. Há cheiro de ambição no ar, de dinheiro, de negócios, de meninos de terno e gravata babando sangue em cantinas italianas rodeadas de putas, travestis e motéis baratos com cara de pensão do interior. Um eldorado pandemônico, desvairado. Um carnaval sisudo, que dança na garoa com um copo de vinho, vestindo um sobretudo, preto e branco em tons arlequinais. Ruas que dão sempre em outras ruas, sem esperança de mar. Ipiranga com São João. Vinte e cinco de março. Centro e periferia.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Ilex paraguariensis

Estou insone e todo otimismo do meu dia se esvai a cada carro que passa pela rua lá embaixo. Os carros passam. Vão de algum lugar para algum outro. E eu aqui. Eu tinha o meu dia de amanhã todo planejado como uma dona de casa norte-americana, mas agora só tenho uma vaga noção dele.
É estranho morar de frente pra rua. A minha vida toda, as minhas janelas eram de fundo ou davam para dentro da vila, ou do condomínio. Não é a mesma coisa que uma janela de frente pra rua. Não há microcosmo, não há segurança. Há a realidade pulsando e sambando como uma passista de escola de samba. Há cheiro de sangue fresco. Meninos no frio cheirando cola, garis faxinando os restos da solidão alheia. Passa um carro com um casal de namorados indo para um motel. Avançam o sinal vermelho. É uma coletora, não uma via arterial, por isso os carros não passam rápido.
Os prédios da frente têm poucos insones como eu porque a noite fria é só para os fortes. Aqueles que resistimos é que temos que engolir a gilete da solidão.
“Que noite caia, de repente, caia, tão demente quanto um raio. Que a noite traga alívio imediato”

quarta-feira, 22 de julho de 2009

O cão sarnento milinário

Eu impliquei com este filme até onde pude. E quando resolvi baixar a guarda, vi o burro que fui. Por mais que admirasse os trabalhos de Danny Boyle, achei pretensioso demais um inglês querer falar da durarealidade indiana. Soava para mim quase que como um sermão do Papa em favor das inumeráveis vítimas da Inquisição. Ok, peguei pesado, eu sei, mas é um pouco por aí. E, pior dos anátemas, implicava com o filme sem tê-lo visto. E olha que ainda tinha também as incontáveis opiniões respeitáveis a favor.
Mas pelo bem de todos e pela vontade geral da nação, hoje assisti “Slumdog Millionaire” (mal traduzido na epígrafe e adaptado para o sofrível e quilométrico “Quem quer ser um milionário?”).
A história de Jamal, um pobre servidor de chá numa empresa de call center indiana, que ganha 20 milhões de rúpias em um programa no melhor estilo “Show do Milhão” (com jingle bem parecido, inclusive) já vale ser contada por si só, mas o filme não é só isso. Na verdade, este é o pano de fundo para uma açucarada, sim, melosa, sim, porém deliciosa história de amor.
As mazelas sociais da Índia estão presentes tanto nas favelas, nossas velhas conhecidas, quanto nas piadas sarcásticas do apresentador do programa em relação ao humilde participante (aliás, se o filme fosse brasileiro eu poderia dizer que o ator fez escola com Silvio Santos, para o bem e para o mal) e este é, sim, um dos focos do filme que -“hare baba!”- desemente toda aquela parafernalha fake da novela das oito.
Mas este contexto não deixa de ser um pano de fundo para a odisséia de um grande amor. O de Jamal e Latika. Quando disse acima que era açucarada e melosa, quis dizer não no sentido novela-mexicana do termo, mas no sentido Álvaro de Campos, quando diz que as cartas de amor são ridículas . Não dá para falar de amor sem ser piegas, ridículo, assim como não dá para falar de um grande amor sem que haja obstáculos, sem que haja obstinação do mocinho em ficar com a mocinha. Mocinha que, como em qualquer história de amor, encontra-se na mão de bandidos poderosos e que Jamal tem que dar um jeito de salvar. E desde muito pequeno é o que ele decide-se por fazer. Os detalhes da história, saiba pelo filme.
De resto, só posso adiantar que a direção tem o selo Danny Boyle de qualidade. Que a montagem é bem feliz e que o filme tem um quê de ‘Cidade de Deus’, sim, mas daí a dizer que é plágio vai uma looooonga distância. A opção por narrativas paralelas do passado e presente/futuro do personagem só nos faz entender cada vez mais quem era o grande sortudo(?) daquela noite e como aquilo tudo era tão estranho e maravilhoso para ele, fazendo com que nos sintamos não só como aqueles milhares de indianos grudados na TV no dia da grande final, como o próprio Jamal.
Vale a pena ver o primeiro trecho dos créditos finais.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Harry Potter e o Engima do Príncipe


Fui assistir acompanhado de uma amiga que havia acabado de reler o livro. Ela disse que ficou faltando muita coisa e que, inclusive, alguns detalhes importantes foram solenemente ignorados- e repudiava qualquer tentativa minha de contra-argumentar dizendo que “Foi uma adaptação!”.
Como eu não estava mais tão contaminado do livro, pude assistir este “Harry Potter e o enigma do príncipe” realmente como um filme. É óbvio que um detalhe ou outro eu lembrava, o que pode ter, de alguma forma, facilitado no entendimento da história, mas de uma maneira geral, gostei do resultado e acho que, quem conhece razoavelmente as aventuras do jovem bruxo, consegue acompanhar este filme sem grandes dificuldades.
Lembro dos primeiros filmes que eram quase cópias fiéis dos livros, mas que não conseguiam capturar as magias das aventuras. Os livros eram sempre infinitamente melhores. Ok, o livro sempre é melhor, mas é possível fazer boas adaptações como, por exemplo “O leitor”, “O Jardineiro Fiel” e os últimos do próprio Harry Potter.
Não basta só um roteiro coeso, enxuto, mas, principalmente bem filmado. E acho que este é um mérito dos últimos filmes da franquia do qual este não é exceção.
O filme começa já com uma cena que não lembro de ter lido no livro. Harry passando uma cantada numa garçonete. Prenúncio da temática central pela qual se optou neste episódio. A explosão hormonal-afetiva dos 15-16 anos.
Os encontros e desencontros amorosos dos personagens, é verdade, receberam uma maior atenção do que a saga de Harry para descobrir quem era o príncipe mestiço e a verdade sobre Lord Voldemort, mas, mesmo assim, ficou muito bacana de se ver. Sensível e engraçadinho, mas também sério e comovente nas horas certas, como deve ser.
Para mim, a excelência deste filme se basta por duas cenas. A que Dumbledore salva Harry dos Inferi com um feitiço grandioso envolvendo imensas labaredas de fogo (o filme anterior já evidenciara a grandeza do mago em sua luta contra Voldemort no Ministério da Magia, mas esta cena é ainda mais simbólica) e a que todos os bruxos de Hogwarts empunham a varinha em meio às trevas dissipando as nuvens negras no céu em homenagem a um fato que não quero spoilar.
O elenco, mais uma vez, colabora e muito para a magia do filme. Destaque para Rupert Grint, o Ronny Weasley, comediante nato. As cenas em que ele é enfeitiçado por engano por uma poção do amor são impagáveis, principalmente aquelas passadas dentro do gabinete do Professor Slughorn.
Jim Broadbent, aliás, está igualmente irresistível como o afetado e elitista, mas não menos carismático, professor. Michael Gambon deu largas mostras de que foi o perfeito sucessor de Richard Harris no papel de Alvo Dumbledore e Maggie Smith, apesar das poucas aparições segue firme e cativante como Minerva McGonagall. Isso sem falar em Alan Rickman, eterno Severo Snape e em Helena Bonham Carter como a histérica e medonha Belatriz Lestrange.
Gostaria de mencionar ainda o mais importante trio da série. Harry, Rony e Hermione (sempre citados nesta ordem nos livros, lembram?). Daniel Radcliffe, Rupert Grint e Emma Watson, além de terem se tornado jovens adultos de invejável beleza (e conta bancária) emprestam singular verossimilhança a seus personagens. Talvez por terem passado grande parte de suas vidas até agora juntos, mas talvez também pelo talento, por que não? Dan arrancou elogios de exigentes público e crítica teatrais do Reino Unido e dos EUA com a peça “Equus”, Rupert tem uma veia cômica inegável e Emma foi recentemente aceita para Universidade de Yale. Essa galerinha (já não mais tão “inha” assim) certamente vai longe.
Algo me diz que o sétimo e último filme da franquia será retumbante. Não deve ser por acaso que as cenas de ação que o sexto livro já trazia não foram mostradas. E boatos cada vez mais fortes garantem que as últimas aventuras do jovem bruxo (Harry Potter e as relíquias da morte) será divida em duas partes.

terça-feira, 14 de julho de 2009

"...a vida é uma história contada por um idiota, cheia de som e fúria, e que não significa nada"

Arrisco uma previsão. Assim como a procura por aulas de dança de salão aumentou bizarramente após a dança dos famosos, a procura por cursos de teatro aumentará (ok, talvez não na mesma proporção) após “Som e fúria”. Não foram poucas vezes, nesta uma semana de minissérie, que eu me vi acalentando esta fantasia. Ela não é exatamente nova e não está necessariamente restrita a esta ocasião, mas o seriado a trouxe novamente a tona com mais cores de possibilidade.
Mais do que oferecer ao público um texto inteligente e um naipe de atores invejável, creio que este seriado contribuirá enormemente para uma retomada de valorização do teatro. O que as telenovelas ganham com o atacado dos inumeráveis capítulos e atrativas compensações comerciais, perde com o varejo dos detalhes e do prumo artístico de suas produções. Obviamente, ressalva-se as devidas exceções para um e outro lado.
O capítulo de hoje foi simplesmente primoroso. Estão encenando Hamlet (que é, para mim, até este momento da minha vida, a peça das peças). Daniel Oliveira interpreta o galã de novela chamado para interpretar o melancólico e irado príncipe da Dinamarca. Ninguém acredita nele por que até então ele tem o inacreditável hábito de inserir gírias contemporâneas totalmente inadequadas ao texto e também esquece as falas, quando não as reinventa confundindo o restante do elenco. Aí, eis que, de repente, ele encarna Hamlet fingindo-se louco e mandando Ofélia ao convento. Foi uma cena bonita. Dessas que só atores como Daniel Oliveira conseguem fazer. O cara que reencarnou Cazuza.
Outra que me seduz toda vez que está em cena é Andréa Beltrão. Ela tem essa presença imune a qualquer indiferença. Aquilo que as pessoas chamam de brilho, de carisma, magnetismo. Lembro do Fernando Meirelles escrevendo no blog de “Ensaio sobre a cegueira” sobre a Julianne Moore. Aposto que escreveria a mesma coisa sobre Andréa Beltrão. Faz toda a diferença se a cena é com ela, ou não.
Isso porque ainda tem Maria Flor, Pedro Paulo Rangel, Felipe Camargo, Chris Couto e Regina Casé. Esta nos deixando com a reflexão do quanto estamos perdendo com as suas bissextas aparições como atriz, não desvalorizando seu talento para os outros trabalhos que realiza, obviamente. Paulo Betti apareceu quase que como um figurante no capítulo de hoje. Promessa de ainda vem muita coisa boa por aí.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

a próxima fase

Volta e meia me pego querendo entender as pessoas. As coisas se me escapam com igual fugacidade. Nada é feito só para entender, reflito, mas para ser olhado em perspectiva. Muitas questões estão em jogo e o simples entendimento é cego para muitas delas. É preciso sentir. Mais imperioso que qualquer tratado sobre tudo ou sobre porra nenhuma. É imperioso sentir. Sentir muito. Sentir muitíssimo porque qualquer automatismo, qualquer coisa que nos tire vida, nos tire autonomia, é contra a nossa natureza traidora, sempre errante, sempre nômade em seu descontentamento transcendental.
Se tento aprisionar um sinal fechado, um olhar cansado, um gesto de gentileza, todos se esvaem em grãos miúdos pelo buraco fino da ampulheta, mas, por algum desses mistérios insondáveis da vida, continuam a circular aqui dentro. E eu mastigo todos eles. Deles me alimento. Regurgito. Cuspo um pouco. (Por que sentir muitíssimo também pode fazer mal aos estômagos frágeis). E eu me nutro desses ecos de impermanência como um adicto em heroína. E como em qualquer vício, a delícia tem prazo de validade. Uma crise de abstinência se me impõe para que saia tudo de suspensão e eu passe para a próxima fase. Mais rico, mais múltiplo, mais alto.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

A BORBOLETA AMARELA

O sonho de D. Lena era casar-se na Igreja. Como não tivesse dinheiro para tanto, casou-se em casa mesmo com uma cerimônia simples e vestido branco bordado à mão, mas na promessa de que na comemoração de 25 anos de casada, entraria em uma Igreja com Felippe, seu jovem marido. Aos 25 anos de casada e com 12 filhos para criar, não pôde, mais uma vez, realizar seu sonho.
Época difícil, o filho mais velho foi convocado à Guerra. Em poucos meses, foi tirado de casa e mandado para Itália e suas cartas demoravam um mês para chegar. Angústia. Semanalmente pedia a um dos meninos que escrevesse para ela uma carta ao irmão, mas as respostas demoravam tanto a chegar...
À hora do carteiro, D. Lena se postava ao portão aguardando que o mesmo viesse ao seu encontro. O fazia mais por teimosia e por preocupação maternal por que sabia mesmo que as cartas de seu filho amado eram sempre anunciadas por alegre e brejeiro personagem: uma borboleta amarela voejando pelo quintal. As filhas se riam quando viam a mãe feliz por causa de uma borboleta amarela, mas, com o tempo, puderam constatar a inusitada coincidência. A borboleta amarela trazia boas notícias.
O filho retornou da Itália são e salvo, ela deu grande festa, ainda que modesta. D. Lena não chegou a completar 50 anos de casada. Quis Deus recolhê-la para perto de si antes. Mas suas filhas não esqueceram a data e em homenagem a ela, amigo da família mandou 12 rosas. Cada uma simbolizando um dos filhos.
À noitinha, quando só restou a terceira filha, dona da casa onde ocorreu a celebração, janela aberta, uma borboleta amarela adentra pela sala e, sobre a mesa, brinca por sobre as 12 rosas como que beijando cada uma delas.
D. Lena é minha bisavó. O primogênito enviado à guerra é meu avô.
Hoje é meu aniversário. Tão importante quanto avançar pelo tempo é nutrir-se pela própria raiz. Por esses 26 anos de existência um muito obrigado a Deus pela família que tenho e, a cada um de seus inumeráveis membros, um muito obrigado por tornarem este período tão especial.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Confesso que sobrevivi

Nunca vivi algo parecido com o que foi este último mês. Todos os meus amigos sabem de cor e salteado a minha mais freqüente resposta para todos os convites feitos neste último mês: ‘Não posso, tenho que fazer minha monografia’. Gostaria, inclusive, de saudar Murphy e dizer a este senhor que ele perdeu uma ótima oportunidade de ficar calado quando elaborou a sua famigerada lei. Isto porque canso de passar finais de semana sem qualquer evento e sem qualquer compromisso que me impeça de eventualmente participar de alguns, mas parece que eles ficam todos esperando eu estar bem ocupado para darem as caras.
Uma conjunção de fatores que passa, sim, por uma certa desídia deste que vos tecla me levou a alguns dos dias mais estressantes da minha vida. Primeiro fator, a monografia em si. Segundo fator, a proximidade com as provas da OAB e, at last but not fucking least, estarmos, eu e minha mãe mudando de casa. Ok, poderia ter sido pensada uma data melhor para se mudar, mas, do ponto de vista financeiro, foi a única saída que tivemos. Monografei, sim, entre caixas e movimentação incomum em casa e, em alguns momentos, sob intensa penúria porque meu quarto ficou sendo o único cômodo montado da casa antiga. Isto mesmo, sem cozinha, geladeira e a dispensa com suprimentos. Para comer alguma coisa eu tinha que parar o que estivesse fazendo e ir na rua de trás, no novo apartamento ainda, também não completamente montado. E isto significa, para alguém que está monografando, preciosos minutos em que linhas podem virar páginas e páginas podem virar capítulos, mas eu ia, né? Tudo bem que só quando o estômago estava quase colando nas costas, mas ia.
Apesar do trabalho não ter ficado lá um primor do qual me orgulhe com todas as minhas forças, acho que, apesar dos pesares, foi o máximo do que eu pude oferecer e eu, sinceramente, me surpreendi com o quanto pude fazer frente a tantas adversidades. Nunca antes da história destepaiz, quiça da Humanidade, o Gabriel ficou 16 horas em frente ao computador praticamente ininterruptamente, seja por qual motivo fosse.
Obtendo a aprovação ou não (porque ainda tenho que defender o meu trabalho para uma banca), já foi uma experiência muito intensa de auto-superação que, com certeza, irá me ajudar em outras circunstâncias.
É sério, galera, NUNCA, mas NUNCA mesmo, deixem para amanhã o que pode (e em muitos casos, deve) ser feito hoje.
Ainda tem a segunda fase da OAB e a sustentação da mono, mas, dependendo, podem me chamar que vai ser mais fácil de eu aceitar. A partir de julho, sim, não terei motivos para recusar. Não deixem Murphy ganhar mais uma vez!
PS: Lu e Thadeu (porque pra mim vocês são uma pessoa só), thank you very much =D

terça-feira, 2 de junho de 2009

"na verdade, não há"

“E se fosse comigo?” Eu, pelo menos, tenho medo de avião por que avião foi feito para cair. Nem me venham com aquelas manjadas estatísticas que comprovam que automóveis são mais perigosos que aviões, pois automóveis foram feito pra transportar sobre quatro rodas e avião, sobre nenhuma. Simples assim. Eu resisto a acreditar que o avião não seja nada mais do que um amontoado de aço e metal arremessado no ar com pessoas dentro. Tudo bem que tem rota pré-estabelecida e uma pessoa tentando comandar, mas basta uma panezinha elétrica aqui ou uma distraçãozinha ali, que o amontoado recupera sua natureza aleatória e imprevisível. E como todo ser humano que se preza tem reservas com o que seja aleatório e imprevisível, tenho medo de avião pois se ele assume esta natureza, estarei diante de meu maior pesadelo.
Sim, tenho medo de morrer e principalmente de morrer tão assim no meio do caminho. Como disse a uma amiga, no meio do caminho já basta a pedra. Acho morrer a caminho de uma reunião de negócios, no meio de uma escala para Pequim ou na viagem de lua de mel uma tremenda banalização do evento morte. Por diferentes que sejam as crenças, não há que se negar: a morte é um evento importante. E acho que deve ser ruim ser pego de surpresa, sem que tenhamos tempo de ver uma última vez que seja aquela pessoa que amamos e que ficou esperando nossa ligação pela manhã dizendo que chegamos bem e que também estamos com saudade, de ouvir aquela música que nos faz sentir tão bem, de ver aquelas fotografias do tempo de criança, de estar cercado de amigos e se sentindo amado. Deve ser ruim deixar coisas por fazer, não ter mais tempo de deixar melhores lembranças, os únicos verdadeiros bens que deixamos.

sábado, 30 de maio de 2009

susan boyle y yo

Acabei de ler a notícia de que Susan Boyle perdeu o primeiro lugar no programa que a tornou um fenômeno mundial, para um grupo de dança. Não vi a apresentação do tal grupo, mas confesso que fiquei meio contrariado. Ok, eu sei que ganhar ou não o concurso se tornou irrelevante frente ao estrondoso sucesso que foi sua primeira apresentação (recorde de acessos no youtube) e toda repercussão que veio depois. Confesso que simpatizei de cara com aquela quarentona escocesa meio jeca e muito simplória, que nunca foi beijada, perfeita antítese da geração silicone-big-brother que domina qualquer atração televisiva em qualquer lugar do mundo, e dava como certa a sua vitória, uma vez que se tornou uma unanimidade na Grã-Bretanha e que a decisão seria tomada pelos telespectadores. Mas eles assim não quiseram. Eu sei que o que não vai faltar pra ela serão propostas de trabalho que poderão fazer jus ao dom que ela tem, mas por uma questão simbólica, acho que ela deveria ter ganho. A verdade é que fiquei com peninha dela. Eu sei, pena é um sentimento horroroso, mas fazer o quê? Senti, e, se coubesse a mim escolher, ela seria o novo talento da Grã-Bretanha. Sem ofensas ao grupo vencedor, mas saudando o dom da vice-campeã.

sexta-feira, 29 de maio de 2009

Sobre sarcoidose e bitch

Acho que foi o primeiro episódio de House em que um paciente realmente tinha sarcoidose. Ou como dizem eles Sarcôuidôusis. Nunca soube que esta doença sequer existia, mas de tanto ela ser mencionada no seriado (reparem, uma média de duas vezes por episódio, pelo menos) comecei a ficar preocupado. Deve ser muito comum, uma vez que House sempre chutava a hipótese para escanteio quando alguém levantava e, você sabe, paciente de House tem que ter uma doença minimamente exótica. Então, que gripe suína que nada! Devemos nos preocupar em não pegar uma baita de uma sarcoidose por que senão não vai ter tio House pra cuidar da gente! Se bem que ela parece uma doença fácil de curar.
Enfim, outro ponto positivo do episódio de ontem foi a idéia de trazer a "bitch" de volta como um fantasma camarada para atormentar a vida dele(o nome dela é Amber, eu sei, mas é que é mais legal chamá-la pelo apelidinho carinhoso que o Doctor House deu, não acham?). Ela foi um dos meus personagens preferidos da nova leva de residentes sob a responsabilidade do House e foi, também, protagonista de uma das cenas mais tristes que eu já vi em um seriado, no final da temporada passada, quando morreu nos braços do Wilson após um acidente envolvendo ela e House numa trama que durou 2 episódios e que muitos criticam pela falta de verossimilhança, mas que eu considero primorosos pelos dramas humanos envolvidos e pela forma como foram contados.
Confesso que fiquei bastante frustrado na época por que, contrário de seus companheiros (talvez à exceção da thirteen), ela era uma personagem realmente interessante, que realmente fazia frente ao todo-poderoso.
Depois do suicídio de Kutner (o ator Ken Pal, que o interpretava, olha que bacana, foi ser assessor do governo Obama para relações intergovernamentais com os países asiáticos e também para questões de arte e entretenimento), um personagem que ainda não tinha dito muito ao que veio, achei boa a proposta de trazer de volta aquela que era a versão de saias do rabugento, sarcástico e irresistível Dr. House, mesmo que na condição de ghost writer de suas improváveis intuições diagnósticas.
Há muito tempo que a série só se segurava pelo carisma e talento que Hugh Laurie emprestava a um dos personagens mais incríveis já feitos em um seriado de TV. Provalmente, essa nova fase de House "médium" pode trazer boas sacadas.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Não se segure

Ouço tiros à noite na cidade. Tiros. Por favor, não saia assim na rua, por acaso. Balas, que não são confeitos, ferem de sangue o ar frio da noite e as estrelas choram um pranto negro que não se vê. Como criança órfã, o acaso sente falta da mãe. E tudo o que estava em suspenso (sentido, causa, rotina, coisas) despenca vertiginosamente. “Não segure” diz o fuzil.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

glad to be pathetic

Não há prazer maior em um dia comum do que fazê-lo extraordinário. Acordar com vontade de ficar na cama e descobrir que o melhor do dia acontece, de fato, quando se está acordado. Vendo as pessoas e as coisas teimando em sair do seu controle e você atrás delas como quem caça borboletas com flores de plástico. O extraordinário do dia vem, muitas vezes, de ver beleza no que me faz patético.

terça-feira, 5 de maio de 2009

Longo, histérico, atemporal e perfeito. Ou "sobre Hamlet".

Hamlet está irado. Seu tio matou seu pai, proclamou-se rei da Dinamarca e casou-se com sua mãe. Em um intervalo de 2 meses. Maior infâmia certamente não há. O que você faria? Fazer ou não fazer, eis a questão. Enquanto isso, todos da Corte acham tudo normal, o que todos acham anormal é o comportamento de Hamlet. Nesta relutância entre ser ou não ser, agir ou não agir, surge algo que para muitos é rematada loucura. Para Hamlet é um escudo, uma armadura através da qual ele pode ver a natureza (podre e) humana daqueles que o rodeiam, podendo circular livremente entre a loucura e a razão no território da melancolia, pois ao mesmo tempo que deseja fazer justiça pelas próprias mãos não quer decepcionar o fantasma do pai que lhe cobra a moral que o tio não teve. Por essa e outras que tenho dificuldade de imaginar um Hamlet que não seja tão intenso e passional como o do Wagner Moura.
Este fim de semana assisti aqui no Rio este espetáculo que já havia assistido em São Paulo há alguns meses atrás. Sim, gostei muito da peça. Não conheço muitas peças de Shakespeare, mas desconfio que Hamlet sempre será a minha preferida. Sou um admirador da melancolia nas artes. Não que não goste das outras obras, mas gosto de poder enxergar beleza na melancolia. Impossível não sentir empatia por Hamlet em suas elucubrações sobre a moral, a vida e a morte por mais carregadas de fel e vinagre que elas sejam. Impossível não se comover com sua luta inglória e inútil para que todos vejam a aberração de que foi vítima. Inútil por que todos sabem, mas ninguém quer saber, hipócritas que são.
Até a beleza mais pura e virginal, Hamlet contamina com o negrume de seu rancor por não se achar digno de tamanho quinhão. Ofélia. Apaixonei-me por Georgiana Góes e pelo personagem mais belo e trágico que já vi no teatro. A virgem apaixonada pelo príncipe que enlouqueceu morre afogada num lago (lindamente nua debaixo de anáguas brancas e finas numa cena que me enterneceu e excitou ao mesmo tempo) depois de provar da taça de amargura que Hamlet lhe ofereceu ao matar-lhe o pai num ato impensado e confuso.
Não, Hamlet não é uma peça leve. Eu nunca disse que era, mas, sim, é bela.
A montagem que assisti em São Paulo foi arrebatadora tanto para mim quanto para os que me acompanharam (mãe, irmã e cunhado) que entraram reclamando e saíram estupefatos. A do Rio, já não me impactou tanto, mas não sei se porque já conhecia o texto ou se porque os atores já estão um tanto desgastados (caros, acreditem, Wagner Moura consegue manter o vigor daquela apresentação em São Paulo após quase 6 meses entre uma e outra) ou se por ambos os motivos. Outro ponto contra foi o corte de algumas cenas. Se a peça está menos demorada (em São Paulo chegou a ter dois intervalos), o lado ruim é que, no final, a cena da rainha com o copo envenenado na mão ao mesmo tempo em que Laércio e Hamlet duelam não tem metade da força que tinha e o final é catapultado para um momento em que estamos divididos entre ouvir o que Hamlet tem a dizer a Horácio e entender o que realmente aconteceu.
Ah, sim. Caio Junqueira estava melhor de Horácio, mas Matheus Solano tem potencial. Estava achando-o mediano até suas falas finais, em que foi acometido de singular emoção me dando a sensação de estar presenciando o momento mágico de encontro entre o ator e seu personagem.
Assitam!

Oi Casa Grande
Avenida Afrânio de Melo Franco, 290 – Leblon. Tel: (21) 2511-0800.

Sextas e sábados, às 20h30. Domingos, às 19h.
Ingressos a
R$ 80,00 (balcão), R$ 90,00 (platéia), R$120,00 (camarote)
R$ 60,00 (balcão) as sextas feiras
Duração: 180 minutos (com intervalo de 15 minutos)
Lotação: 926 lugares
Classificação Etária: 14 anos

(créditos da definição do título: Viviane Carrozzino, a musa da capacidade de síntese)

terça-feira, 28 de abril de 2009

Como se eu fosse música

Às vezes são tantas as desocupações que elas se confundem. É porque tem horas que parece que não se consegue escolher, que se vai sempre levado de roldão. E aí, de repente, na televisão, quando eu menos espero, eu vejo alguém que consegue deter isso tudo. Fala o que pensa, pensa o que sente e todo mundo percebe. É bonito isso. Sinceridade. Coração na boca, espírito transparente. Asas na vontade de se fazer entender pelo simples fato de não se querer nada além disso. Como se eu fosse música, eu gostaria de ser compreendido.

domingo, 26 de abril de 2009

mais sobre futebol ou quase um twitter

Moro colado ao Maracanã, o que faz com que cada Domingo seja um dia especial. Para bem e (principalmente) para o mal. Até que já houve Domingos piores que o deste primeiro Boafogo x Flamengo da final do Carioca, mas o meu breve comentário, quase twitteriano do momento, tem pouco a ver com isso.
Agora há pouco, entretido com as minha elucubração monográficas, ouvi as comemorações do quarto gol da partida sem conseguir identificar qual time havia marcado. Liguei a TV. Pela empolgação do grito do locutor, que apareceu antes de qualquer imagem, tive certeza que tinha sido o Flamengo. Batata. Locutor e comentarista torcedor que não sabem se conter também são odiados por este blog.

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Território Restrito

Fui pesquisar um pouco sobre o filme na internet e descobri que é uma refilmagem. Inclusive feita pelo mesmo diretor. Eu não sei qual a necessidade que Hollywood volta e meia tem de pegar um filme estrangeiro e hollywoodizá-lo. Foi assim com “Vanilla Sky” (cópia de “Abra los ojos”), por exemplo, e recentemente com “Quarentena” (cópia de “REC”). Se eles têm tanto dinheiro assim, por que não promover o original ou, melhor ainda, fazer algo original? Certamente há alguma estratégia de marketing aí por trás, mas que, pelo menos comigo, não funciona. Se sei de antemão que o filme é uma refilmagem hollywoodiana, já torço um pouco o nariz porque invariavelmente o original é muito melhor.
Enfim, fui assistir “Território Restrito” ("Crossing Over", no original) sem saber este detalhe. Não é que o filme seja ruim, mas também não é bom. É o primo pobre dos seus congêneres “Babel” e “Crash”. Trata, principalmente, da questão da imigração e da política americana neste tocante, nesta era pós 11 de setembro. Tem mexicanos sendo presos, morrendo nas fronteiras, coreanos se matando em suas lavanderias e lojas de conveniência, iranianos, muçulmanos injustiçados com a caça às bruxas propagada pela guerra contra o terrorismo e o governo americano.
Aí está um ponto crucial em "Território Restrito". Se em "Babel", uma das preocupações era mostrar a face dura da política de imigração estadunidense, neste, abre-se concessões para agentes de governo "bonzinhos". Se há a promotora linha dura, há a defensora humanista. Se há o agente de imigração corrupto, há o que realmente se preocupa com a qualidade de vida daqueles que são presos e deportados. Não quero ser panfletário e defender que "Babel" está certo e "Território Restrito", errado. Mas em termos de discurso, essa tentativa de atenuar a má imagem dos Estados Unidos e sua política de imigração soou um tanto forçada, até inverossímil. Pelo menos para mim. Certamente há meios mais sutis de se dar uma explicação menos maniqueísta para este tema.
O que me espantou também foi ver Alice Braga fazendo quase figuração. Não que ela seja uma veterana que pode se dar ao luxo de escolher qual papel que pegar, mas aparecer só 15 minutos, falar meia dúzia de frases em espanhol, para depois desaparecer, também já é demais. Harrison Ford está bem, faz o que lhe é pedido e nada mais, Ashley Judd constinua linda e Ray Liotta parece mais o Lion do Thundercats, certamente devido a altas doses de aplicação de botox.
Enfim, vai ver o motivo da refilmagem é mais político (dado o atual contexto de tentativa de mudar a imagem dos EUA no mundo) do que de marketing, mas das duas formas é muito pouco eficiente.

domingo, 12 de abril de 2009

O Flamengo mereceu

Não é nenhum post excessivamente auto-punitivo para evitar provocações rubro-negras. Podem provocar. Só quero mesmo quebrar paradigmas e admitir que o tricolor deixou a desejar no jogo de hoje e venceu o melhor. Foi bom para calar a boca do Horcades, assim como não suporto torcedor que não admite que o time foi mal, não suporto dirigente de clube que canta vitória antes do tempo de forma tão infantil.

terça-feira, 7 de abril de 2009

e o big brother, hein?

Confesso: não assisti. E não senti falta. Só vendo agora os minutos finais, pensei: Deve ser bem ruim passar aquele sufoco e não levar o milhãozinho pra conta bancária. Eu nunca pagaria o mico de colocar a bunda exposta na janela para passarem a mão nela como essa gente faz. Mas deve ser um tanto frustrante para quem se aventura, sem alguma iniciação na arte do desapego, passar tantos dias tendo até a sua flatulência vigiada e virando dinheiro para a Rede Globo e sair de lá de mãos abanando. Que eles possam ser desapegados! Amém!

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Vanguart

É isso mesmo. Só porque ta virando modinha. Só porque tem uma aura “alternativa”. Mas, no fundo, é porque é bom mesmo. O primeiro contato que tive com o som dos caras foi num anúncio de um programa dedicado a eles que irá (ou já foi?) ao ar no Multishow. Ouvi um trechinho de uma música (salvo engano, do Dorival Caymi) e achei bacana o estilo, mas não fui muito atrás. Até domingo passado, quando, zapeando pelo mesmo Multishow, vi a apresentação deles no Altas Horas. Não sou nenhum especialista em música para ficar aqui enumerando possíveis influências ou tipos de ritmo que possam definir o estilo, mas posso chutar (com alguma cola de críticos que li na internet) que tem uma grande influência folk. Não que eu saiba exatamente o que isso signifique, mas pelo que eu entendo que seja, acho que é por aí. Como toda boa banda contemporânea que se preze, há uma boa mistura de estilos. Letras poéticas com expressões fortes (os versos que mais me provocaram: “Come here while my heart beats for you/And fuck me like your mother/And his mother was,/His mother was,
Miss universe.”), músicas em inglês, português e espanhol. Pode até ser que seja pretensioso, mas para mim soou inspirado. Pelo menos numa primeira escutada, me impactou positivamente. Vida longa ao Vanguart!

quarta-feira, 1 de abril de 2009

there comes your soul

Espere um pouquinho que ela já vai chegar. Alguém muito especial. Você vai reconhecer imediatamente. É igual a você, só que melhor. É a raiz de você. É a tua seiva, árvore que és. Cabeça nas nuvens, pés fincados na terra, fatores geradores da discrepância de onde vemos o mundo. A alma é só a transparência disso tudo. Determinante e determinada, em simbiose com as vozes de dentro da cabeça.
De pouco fluir, ela é esquecida, embotada, mas nada detém seu impulso avassalador. Uma hora ela transborda.
(repare, ela sempre tenta fugir pelos olhos, tanto que os preocupados em manter o cativeiro só olham para baixo).
It´s all right

domingo, 22 de março de 2009

sobre sexta à noite

Ando meio sem paciência para escrever, essa experiência que me liberta. Essa experiência que me lança nu para quem me lê, que mostra meu mundo pelos meus olhos para quem quiser entrar, para eu deixar de ser eu por uns momentos e ser mero expectador. O importante é não ficar preso aos parâmetros pré-estabelecidos. Não pode ser uma tarefa que me canse, nem a vocês. Na verdade, pode até cansar, mas tem que ser um cansaço bom, do qual só se dá conta quando se coloca o ponto final.
Estava pensando em escrever sobre os shows do Los Hermanos, Kraftwerk e Radiohead, mas o idéia de parecer qualquer coisa próxima de um crítico de música já me desagradou e não me deu mais vontade de escrever. Não estou interessado em rigores técnicos, mas em experiências. E foi uma experiência. Matar as saudades de ouvir os metais dos Los Hermanos abrindo a noite com “Todo carnaval tem seu fim” foi como sonhar com alguém que já morreu. Ok, ficou estranhamente mórbida essa comparação, mas quem já perdeu alguém muito querido e teve um sonho bom com ele deve saber do que estou falando. Foi realmente emocionante. Em alguns momentos foi meio cansativo, mas o balanço geral foi realmente bom.
Kraftwerk foi uma grata surpresa. Nunca havia ouvido falar e foi estranho conhecer um cara comprando os ingressos só para vê-los. Depois que entendi. O show deles com toda aquela riqueza de elementos visuais me lembrou os anos 80 e o estilo retrô dos países da cortina de ferro. Me lembrou as fotos da minha prima Mariana na Alemanha, quando a gente era criança e as gravuras dos meus livros de geografia da 5ª série.
O melhor da noite foi o Radiohead, sem sombra de dúvida. Um show que já marcou a minha vida. Descobri que gostava mais dos caras do que supunha (o que não quer dizer necessariamente que conhecia mais do que supunha). Conhecia algumas músicas de ouvido, mas não sabia cantar tudo (e eu gosto de show que eu posso cantar junto), mas foi bom se deixar levar por todas aquelas luzes, aqueles sons e aquela inspiração. Vi uma entrevista há pouco com o Thom Yorke e ele falou que a preferida dele neste último CD é a faixa “Videotape”, que também é a minha favorita.
Ah, sim! Fechar com “Creep” foi catártico. Para dizer o mínimo.
Acho que é isso aí. Foi bem brainstorm e acho que funcionou.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Reflexões de carnaval

Hoje, o principal sentido do carnaval, que eu consigo vislumbrar, é a idéia de transgressão. Um período em que o que se quer é se libertar de tudo o que possa representar censura e repressão, em que as únicas coisas a serem reprimidas devem ser “a moral e os bons costumes”. Essa expressão, aliás, sempre me vem à cabeça com a imagem de uma senhora sisuda, de nariz em pé, coque bem amarrado, leque e roupas pretas e compridas. É como se ela sempre tivesse acabado de proferí-la.
A transgressão tem um importante papel na evolução social, isso é inegável. Graças a ela novos elementos são inseridos no rol das coisas possíveis de serem realizadas e os debates se aperfeiçoam e se complexificam. Até que uma nova transgressão aconteça e tudo se renove. Pode ser que seja errado em falar de evolução, que, na verdade, tudo seja, em módulo, igual sempre, só mudando de roupa, mas minha intuição diz que não.
Sou adepto das interações entre o sensível e o inteligível. Razão e emoção não são coisas diferentes, muito menos opostas. São aspectos diferentes de algo chamado espírito. Essa essência comum aos humanos, indescritível em palavras e conceitos, que tanta confusão cria entre acadêmicos e religiosos, seja mutuamente, seja entre si. Creio que para se entender certas coisas com a razão, primeiro é preciso sentí-las. A emoção como um impulsionador de conjecturas intelectuais. Só não sei até que ponto a recíproca pode ser verdadeira.
Portanto, dar vazão a sentimentos reprimidos não é algo de todo condenado pela çoçiedade. Se num consultório de psicoterapia ou se na avenida é que está a grande diferença. No primeiro desperta-se menos discordâncias que no segundo, mas o caráter emancipatório de ambos é que se deve examinar. Parece que sempre estamos querendo nos libertar de algo, que estamos sempre presos a coisas que nos tolhem a liberdade e a espontaneidade, e que contra elas devemos voltar nossas armas.
A discussão, antes somente moral, torna-se, então uma discussão também de método. Contra o que devemo nos emancipar? Qual a melhor maneira de fazê-lo?

sábado, 14 de fevereiro de 2009

As coisas simples


Já falei aqui da relevância das coisas simples. Às vezes queremos o mundo nas nossas mãos como condição sine qua non para a felicidade. Jogamos o nível de exigência da nossa felicidade para os cumes das montanhas, superestimando coisas supérfluas, sequer minimamente atentos para o essencial. Por isso deixamos de falar aquelas coisas na hora certa. A boa palavra que fará a outra pessoa feliz, a palavra de ordem que mostrará o limite de cada qual. Por isso, damos a impressão ao mundo que somos super-humanos que sabem administrar bem tempo e emoção, sem dar qualquer margem de chance para que pensem que somos vacilantes, inseguros e, muitas vezes, covardes, em ocasiões em que um simples e sincero “me desculpe” seria muito eficiente para evitar qualquer mal entendido e até desentendimentos atrozes que duram anos. Reclamamos tanto da falsidade e complexidade do mundo e, no entanto, nos jogamos avidamente para a ilusão, sem coragem de sermos sinceros, de sermos simples.
Esse é meu comentário sobre o filme “O leitor”, das últimas coisas boas que vi na vida. Kate Winslet se confirmando como das melhores atrizes de todos os tempos. Não percam.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

A CIDADE MORTA

Há urubus voando nos céus da cidade.
A cidade morreu.
Suas vísceras estão expostas chocando os transeuntes.
Os transeuntes estão cegos, mas sentem o cheiro da carniça.
A Catedral anuncia com inúmeros gongos o funesto acontecimento,
mas suas inúmeras fileiras estão vazias.
Nem cachorro,
nem porta aberta.
Há um silêncio pesaroso pelas ruas.
Não há carros andando, não há pessoas falando.
O sol testemunha tudo em seu mais esplendoroso verão
e um vento quente que não aquece, sopra na alameda central.
Há nós nas gargantas.

Deus Pai,
tende piedade desta cidade,
guarde-a, agora, junto a Ti.
E que de cada coração possa nascer uma nova cidade,
e que de cada pulsar possa nascer o seu melhor juízo final.

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

eletrotango

Eu e minha fixação por vilões. Devo ter sido um cara muito cobra em alguma outra encarnação porque sempre preferi os vilões. Já pensou se eu descubro que fui Gengis Khan? Ou, sei lá, Adolf Hitler? Ok, peguei pesado. Eu devo ter sido alguma personalidade mais controversa, tipo algum imperador romano desses que nem foi o diabo, mas também passou longe de ser Deus. Eu e minhas inúteis digressões sobre megalomanias reencarnacionistas. No final das contas, um dia acabo descobrindo que fui mesmo é um pobre-diabo qualquer desses que perambulou a toa pelo mundo e ninguém nunca soube da existência e que veio nessa adorando vilões só para se vingar do mundo cruel por tabela – isso me fez lembrar que estou devendo um post sobre Hamlet que quero muito escrever. Vai saber.
Fato é que sou muito mais a Flora que a Donatella. Ok, a Donatella não é o tipo de mocinha que estamos acostumados a ver, ela é “humana” (leia-se “faz maldade também”). Muito menos a Flora é um tipo de vilã comum, dessas que comem criancinhas no café da manhã, coelhinhos branquinhos no jantar e dão gargalhadas medonhas em noites de lua cheia. Estes dias fiquei pensando sobre essa história de vilão e mocinho e me veio à cabeça uma chefe megera que eu tive (uma das poucas, aliás, meus últimos chefes são totalmente do bem). Ela era chefe megera só ali naquele ambiente de trabalho, onde por algum tempo eu desenvolvi a mui nobre arte de odiá-la a cada palavra que ela falava (ou gritava, para ela, dava no mesmo). Mas vai saber, de repente ela é uma ótima mãe, uma amiga compreensiva, uma filha exemplar. As pessoas que não trabalhavam com ela, eu percebia, em geral, gostavam dela. E muito. Depois de um tempo confesso que isso começou a me intrigar e passei a vê-la com outros olhos e a coisa ficou um pouco melhor entre a gente e passei a ver que algumas pessoas também me consideravam vilão em alguns momentos. Eu confesso que eu não só era, como ainda sou, e não poucas vezes, e com alguma intensidade também.
Claro, tem algumas pessoas que perdem a mão. Até os santos, há tempos, não têm ao certo a medida da maldade. A Flora, por exemplo, por causa de um sentimento de rejeição mal resolvido fez o que fez. E nem pensem em dizer “ah, mas aquilo é novela”. Na verdade, vivem na ficção aqueles que acham que essas coisas não acontecem. Os psicopatas são mais comuns do que se imagina. Aqueles que transformam amor em ódio também.
Isso tudo por que acho que a Donatella deve perdoar a Flora. Se fosse eu juro que eu acho que perdoaria.
Ok, no próximo post, prometo que tento virar homem. Qual assunto vocês preferem? Futebol, política ou mulher?

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

urbana legio omnia vincit

Quinta feira passada eu fui assistir “Renato Russo”, a peça sobre o vocalista e líder de uma das bandas de maior relevância no cenário nacional, a Legião Urbana. Eu sou da geração que nasceu nos anos 80 e que, portanto, não teve a oportunidade de vivenciar a efervescência cultural e política daquela década. Meu gosto musical, então, se restringia aos novos sucessos da Xuxa, do Trem da Alegria e do Balão Mágico (este, muito pouco, é verdade) e o Sarney era só um cara que falava “brasileiros e brasileiras” de uma forma engraçada na televisão (e que eu gostava de imitar).
Fui conhecer a Legião Urbana mais precisamente no ano de 1997 quando do lançamento dos maiores sucessos da banda no CD “Mais do mesmo”. Era um presente que minha irmã havia ganhado de um namorado e que eu, sorrateiramente, confisquei. Eu tinha 14 anos e nem preciso dizer que a identificação foi imediata. Quase um evento astrológico. Estava ali toda a melancolia, toda rebeldia, toda dor, toda indignação e toda poesia que eu vivia naquele momento. Eu estava descobrindo o mundo, a literatura, a religiosidade, o sexo e o amor e a trilha sonora da Legião Urbana não só embalou muitos momentos como foi catalisadora, impulsionando pensamentos e descobertas. A Legião Urbana era muito mais que uma banda, era uma espécie de guru ( ironicamente, me veio agora à cabeça os versos de “Don´t look back in anger” – please don´t put your life in the hands of rock n´roll band who´ll throw it all away).
Pouco mais de 10 anos se passaram e lá estava eu na primeira fileira do teatro para assistir a peça. Jamais poderia imaginar que seria tamanha catarse. Não era o Renato Russo ali no palco (por mais que o ator se esforçasse, do Renato mesmo só consegui identificar a dancinha, faltou algo do tom de voz, do espírito e tem algumas cenas que achei desnecessárias, até constrangedoras, tipo uma coisa meio na cama com Madonna, só que desajeitado, não creio que o Renato fosse tão escrachado assim - deve ter uma maneira mais sutil e sofisticada de se falar da sexualidade dele), não era show da Legião Urbana, mas foi como voltar a ser adolescente um pouco. E nem sempre isso é ruim. Pelo menos para mim, não foi. Foi libertador de alguma forma a evocação daqueles dias em que as coisas iam aos poucos perdendo o brilho da infância e da ingenuidade para ganhar a sedução dos questionamentos. Tinham algumas coisas perdidas no meio do caminho e foi bom re-encontrá-las. Tinha tempo que não ouvia Legião Urbana e foi bom tirar a poeira dos tímpanos. E do coração.
Pelo que pude perceber, foi algo compartilhado pelas pessoas que estavam no teatro comigo. A Legião conseguiu superar até as falhas da peça.