quarta-feira, 27 de agosto de 2008

... o acaso é amigo do meu coração, quando fala comigo, quando eu sei ouvir...

Dentro do meu peito mora um anjo caído. Se sou imperfeito, se tropeço, se me machuco, é por causa dele. Ele me mostra limites quando acho que posso voar. Se insisto, ele corta suas próprias asas com as unhas, como uma águia velha arranca seu próprio bico. É uma espécie de prova de cumplicidade.
Junto com alguns pequenos demônios percussionistas, dá o compasso da música da minha vida. Tum dum. E assim acordo, e assim como, e assim vivo e assim durmo, e assim, sempre. Tum dum. Por que a vida é algo de harmonia entre anjos e demônios. Nem que seja somente neste compasso que nos acompanha, até a morte, quando nos definimos.
De igual maneira, ele me tira do sarcófago se eu mesmo me mumifiquei. Ele me mostra Mozart. Ele me mostra Beethoven. Ele me apresenta Shakespeare. Ele me leva ao alto de mim mesmo (quando eu posso ir) para olhar tudo lá de cima. O sol se pondo, as nuvens vermelhas e a cidade mansa, como uma criança prestes a dormir.
Ele me disse outro dia que é caído por que nunca foi exímio harpista.


(Esse é pra ler ouvindo "O velho e o moço", do Rodrigo Amarante, Los Hermanos)

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