terça-feira, 16 de janeiro de 2007

FILME: FONTE DA VIDA

Eu entendi como um filme que trata não da morte, mas da forma como lidamos com ela. Aliás, o filme deixa bastante claro algo que parece que não temos consciência no dia-a-dia. A morte é inevitável. Partindo-se desse pressuposto, o filme explora a forma como nos apegamos à pessoas, situações e sentimentos sem muita sabedoria, uma vez que outras grandes certezas da vida são que ela é mutável e existem muitas variáveis que não dependem da nossa vontade.
O filme apresenta três situações envolvendo dois atores, a meu ver, interpretando quatro papéis (dois personagens cada). A primeira situação mostrada passa-se na Idade Média. Rainha Isabel de Espanha (Rachel Weisz) manda o conquistador Tomás (Hugh Jackman) às terras Maias em busca de uma árvore lendária cuja seiva proporcionaria vida eterna àquele que a sorvesse. Se não me engano, há alguma menção no diálogo envolvendo os dois personagens sobre uma possível doença fatal que estaria acometendo a rainha, que desta forma, dependeria da missão de Tomás para sobreviver. A tal árvore seria remanescente da Criação do Mundo. Segundo explicação da Rainha em dado momento do filme, no Éden existiam duas árvores a da sabedoria, responsável pelo conhecimento do bem e do mal, e a da vida, responsável pela imortalidade. Quando Adão e Eva foram expulsos do Paraíso Deus retirou do mundo a primeira, deixando somente a segunda, que estava em poder dos Maias.
A segunda situação passa-se nos dias atuais. O médico Tommy (Jackman) dedica-se à pesquisas ligadas a cura do câncer enquanto sua esposa, a jovem e bela escritora Izzy (Weisz) padece em estado terminal desta doença. Tommy se utiliza em suas pesquisas de substâncias encontradas numa certa árvore na América Central obtendo resultados estupendos em testes feitos com cobaias, mas não chega a conseguir utilizá-las em Izzy, tendo em vista que esta perece antes, deixando um livro incompleto para que o marido termine. O livro chama-se “Fonte da Vida”, que conta a história da Rainha Isabel e do Conquistador Tomás.
A terceira situação passa-se em um futuro distante em que Tom (Jackman) viaja pelo espaço junto a velha árvore dentro de uma esfera de vidro, ou algo que o valha, em direção à nebulosa de Shibalba, onde os Maias acreditavam ser o destino dos seus mortos.
Na minha humilde opinião Tommy e Izzy são reencarnações de Tomás e Isabel e Tom é Tommy que adquiriu a imortalidade de seu corpo com a utilização da seiva da tal árvore da América Central, a tal árvore da Vida. Daí, por isso que discordo do que muita gente escreveu que eram personagens diferentes. Há diversos sinais de que Tom é um futuro de Tommy. Já a questão de Tommy ser uma reencarnação de Tomás, fica menos evidente, conforme dito, modificando-se ao sabor das diferentes interpretações.
Conforme vocês podem perceber as histórias se entrelaçam em inúmeros pontos em comum. Árvore da vida, morte, busca, apego. São elementos presentes em todas as tramas. Como ecos ou rimas, como alguns preferem dizer. Inclusive com planos semelhantes em algumas passagens. O filme nos narra o ponto de vista dos personagens de Jackman, impregnado de apego e temor da morte. O contraponto é a grande mensagem que, julgo, seja aquela que o filme busca comunicar e que, a certa altura da projeção, é encarnada pela personagem Izzy. O filme não entra nos méritos sobre o que acontece depois da morte, mas com uma poesia e um lirismo invejáveis, nos sugere qual deve ser o nosso comportamento em relação a ela tendo em vista que faz parte da natureza. Em certa altura Izzy explica maravilhada a Tommy que Shibalba é uma estrela que está prestes a morrer e demonstra espanto ao perceber que uma civilização tenha escolhido uma estrela às portas da morte como lugar para seus mortos. Mas depois ela descobre que da morte de Shibalba originar-se-á uma outra estrela, concebendo-se assim a idéia de que a morte também é um ato de criação. E se Izzy, a princípio demonstra-se assustada diante do breve fim de sua existência, um pouco antes de sua morte, em um dos momentos mais emocionantes do filme, diz a Tommy desprendida e sinceramente “Eu não tenho mais medo”, para total desespero deste, que em sua viagem astral rumo a Shibalba dali a pelo menos mil anos (quem sabe?), é ainda atormentado pelas lembranças da falecida esposa e do livro que havia se comprometido em terminar. A toda hora Izzy lhe aparece sussurrando “Termine” a o que ele responde angustiosamente da mesma forma como respondeu pela primeira vez “mas eu não sei como”.
Eis que vagarosamente, em um espetáculo visual fascinante, a esfera de vidro com Tom e a árvore adentram na nebulosa. Assim sendo, a árvore, que alimenta a imortalidade de Tom, morre e este, então, compreende a mensagem por trás do sussurro insistente de sua mulher. “Temine” era um estímulo a que ele também se rendesse à finitude. A o que ele acata. O que se segue daí são, segundo minha interpretação, conjecturas mentais de Tom sobre como se desencadeariam estas histórias se esta finitude fosse aceita por ele desde o início. Tomás, que morrera em um embate com um guerreiro Maia cumpre sua missão alcançando a Árvore da Vida. O desfecho desta conjectura é de um simbolismo belíssimo de se ver. Tomás, embevecido pelos efeitos da seiva milagrosa nos ferimentos que carregava das batalhas que travara, sorve-a em fartos goles e dentro de instantes, entre espasmos e estertores todo seu corpo se espoca em flor. Tommy, em vez de debater-se amargamente pelo inconformismo que o levara a tatuar alianças por todo seu corpo, aceita a morte de sua mulher e prossegue sua vida menos amargurado. E Tom? Tom termina. Serenamente.

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