Dentro de mim mora uma cidade. Rodovias, arranha-céus, carros, buzinas, janelas acesas à noite, avenidas, pessoas felizes e outras nem tanto. Eu sou cada uma dessas coisas. Eu me multiplico nelas e nelas me escondo. Eu sou um só e as minhas escolhas. Uma possibilidade. Eu sou a cura para mim mesmo. Eu sou o veneno para mim mesmo. Eu corto meu pulso e danço. Eu tomo banho e choro. Eu vejo uma menina bonita e sorrio (ela tem cheiro de flor).
Eu tenho medo do futuro, mas vivo ele mesmo assim. A cada segundo ele vem novo como um feto. Eu canto músicas que não terminam, eu lembro dos filmes que eu nunca vi (passando sem parar em algum lugar). Eu fico mudo, eu vejo cores. Eu sambo, pulo carnaval, canto alto e me acho muito desengonçado e diminuo um pouco o ritmo, sinto vergonha, me constranjo à toa e fujo pra barra da saia da minha mãe. Eu não gosto de me expor, mas a minha vida é como se fosse um filme. Um filme em preto e branco, quase um noir, com pessoas falando frases de efeito e assoprando fumaças de cigarro, um filme com chuva e um beijo apaixonado no final, com a mocinha chorando e me achando o homem da vida dela. Um filme com femmes fatales longilíneas cujo dorso nu alimentou muitos sonhos adolescentes nos anos 50 e todas elas querem ficar comigo a noite inteira para depois acenderem seus cigarros.
Eu sou o burocrata que escondeu atrás de papéis toda a sua humanidade. Eu sou a barata de kafka, eu sou a Luz do Mundo. Eu sou estudioso e também tenho muita preguiça. Eu ando de terno e gravata e mudo de personalidade quando uso óculos escuros. Eu amo as pessoas e me prostituo para que elas me amem também. Eu sou hipócrita, mas todos dormem. Agora vejo em parte, mas então veremos face a face.
Eu sou.
Eu fui.
Eu vou.
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