terça-feira, 5 de maio de 2009

Longo, histérico, atemporal e perfeito. Ou "sobre Hamlet".

Hamlet está irado. Seu tio matou seu pai, proclamou-se rei da Dinamarca e casou-se com sua mãe. Em um intervalo de 2 meses. Maior infâmia certamente não há. O que você faria? Fazer ou não fazer, eis a questão. Enquanto isso, todos da Corte acham tudo normal, o que todos acham anormal é o comportamento de Hamlet. Nesta relutância entre ser ou não ser, agir ou não agir, surge algo que para muitos é rematada loucura. Para Hamlet é um escudo, uma armadura através da qual ele pode ver a natureza (podre e) humana daqueles que o rodeiam, podendo circular livremente entre a loucura e a razão no território da melancolia, pois ao mesmo tempo que deseja fazer justiça pelas próprias mãos não quer decepcionar o fantasma do pai que lhe cobra a moral que o tio não teve. Por essa e outras que tenho dificuldade de imaginar um Hamlet que não seja tão intenso e passional como o do Wagner Moura.
Este fim de semana assisti aqui no Rio este espetáculo que já havia assistido em São Paulo há alguns meses atrás. Sim, gostei muito da peça. Não conheço muitas peças de Shakespeare, mas desconfio que Hamlet sempre será a minha preferida. Sou um admirador da melancolia nas artes. Não que não goste das outras obras, mas gosto de poder enxergar beleza na melancolia. Impossível não sentir empatia por Hamlet em suas elucubrações sobre a moral, a vida e a morte por mais carregadas de fel e vinagre que elas sejam. Impossível não se comover com sua luta inglória e inútil para que todos vejam a aberração de que foi vítima. Inútil por que todos sabem, mas ninguém quer saber, hipócritas que são.
Até a beleza mais pura e virginal, Hamlet contamina com o negrume de seu rancor por não se achar digno de tamanho quinhão. Ofélia. Apaixonei-me por Georgiana Góes e pelo personagem mais belo e trágico que já vi no teatro. A virgem apaixonada pelo príncipe que enlouqueceu morre afogada num lago (lindamente nua debaixo de anáguas brancas e finas numa cena que me enterneceu e excitou ao mesmo tempo) depois de provar da taça de amargura que Hamlet lhe ofereceu ao matar-lhe o pai num ato impensado e confuso.
Não, Hamlet não é uma peça leve. Eu nunca disse que era, mas, sim, é bela.
A montagem que assisti em São Paulo foi arrebatadora tanto para mim quanto para os que me acompanharam (mãe, irmã e cunhado) que entraram reclamando e saíram estupefatos. A do Rio, já não me impactou tanto, mas não sei se porque já conhecia o texto ou se porque os atores já estão um tanto desgastados (caros, acreditem, Wagner Moura consegue manter o vigor daquela apresentação em São Paulo após quase 6 meses entre uma e outra) ou se por ambos os motivos. Outro ponto contra foi o corte de algumas cenas. Se a peça está menos demorada (em São Paulo chegou a ter dois intervalos), o lado ruim é que, no final, a cena da rainha com o copo envenenado na mão ao mesmo tempo em que Laércio e Hamlet duelam não tem metade da força que tinha e o final é catapultado para um momento em que estamos divididos entre ouvir o que Hamlet tem a dizer a Horácio e entender o que realmente aconteceu.
Ah, sim. Caio Junqueira estava melhor de Horácio, mas Matheus Solano tem potencial. Estava achando-o mediano até suas falas finais, em que foi acometido de singular emoção me dando a sensação de estar presenciando o momento mágico de encontro entre o ator e seu personagem.
Assitam!

Oi Casa Grande
Avenida Afrânio de Melo Franco, 290 – Leblon. Tel: (21) 2511-0800.

Sextas e sábados, às 20h30. Domingos, às 19h.
Ingressos a
R$ 80,00 (balcão), R$ 90,00 (platéia), R$120,00 (camarote)
R$ 60,00 (balcão) as sextas feiras
Duração: 180 minutos (com intervalo de 15 minutos)
Lotação: 926 lugares
Classificação Etária: 14 anos

(créditos da definição do título: Viviane Carrozzino, a musa da capacidade de síntese)

3 comentários:

Eleanor Rigby disse...

Pensei em tantas coisas pra comentar... Só me resta dizer: uma pena não ter te acompanhado em SP pra desfrutar do vigor perdido e do Caio Junqueira!
Obrigada pelos créditos e tenha uma bela noite.

Eleanor Rigby disse...

"Você fez a barbaaaa"

Thadeu Tourinho disse...

Também gostei da peça e sempre fui fã do Hamlet. É uma peça densa como nenhuma outra que eu conheça, embora infelizmente eu não conheça lá muitas.